“Hoje são cinco os hospitais credenciados pelo SUS”, disse. “E não são só os hospitais públicos que podem fazer essa intervenção, hospitais privados também podem.”
O especialista explicou que a resolução do CFM contribui para a criação de um “padrão de qualidade de atendimento”, porque há uma série de critérios que devem ser seguidos “são várias etapas, são vários ambulatórios”.
A portaria também estabelece que crianças ou adolescentes transgêneros devem receber tratamento de equipe multiprofissional e interdisciplinar sem nenhuma intervenção hormonal ou cirúrgica.
A atenção médica deve ser composta por pediatra, psiquiatra, endocrinologista, ginecologista, urologista e cirurgião plástico.
As novas regras do CFM também preveem acompanhamento aos familiares dos pacientes trans, com autorização expressa do transgênero.
Procedimentos cirúrgicos e hormonais também são proibidos em pessoas com diagnóstico de transtornos mentais que os contraindiquem.
Na resolução, o Conselho Federal de Medicina também reconhece as expressões identitárias relacionadas à diversidade de gênero. Transgênero é a pessoa que se identifica com o gênero oposto ao qual ela nasceu:
- Consideram-se homens transexuais aqueles nascidos com o sexo feminino que se identificam como homem.
- Consideram-se mulheres transexuais aquelas nascidas com o sexo masculino que se identificam como mulher.
- Considera-se travesti a pessoa que nasceu com um sexo, identifica-se e apresenta-se fenotipicamente no outro gênero, mas aceita sua genitália.
- Considera-se afirmação de gênero o procedimento terapêutico multidisciplinar para a pessoa que necessita adequar seu corpo à sua identidade de gênero por meio de hormonioterapia e/ou cirurgias.
Atendimento especializado
Para o médico do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), José Carlos De Lima, a expansão do tratamento para a rede básica se aproxima das pessoas que buscam a transição segura.
“Com isso, vai aprimorar bastante a questão da resposta que a gente precisa dar a esse público”, disse o ginecologista. “Porque a gente sabe que em condições anteriores, eles buscavam a automedicação, iam atrás de serviços clandestinos como a injeção de silicone industrial.”
O especialista defende a ampliação de uma rede de assistência e de profissionais preparados para atuar com a transição de gênero desde a recepção, até a cirurgia e os acompanhamentos posteriores. Ele disse que ainda há resistência de algumas especialidades por motivos religiosos ou morais.
“A gente precisa trabalhar muito a formação de recursos humanos”, disse Lima. “O hospital precisa ser inteiramente preparado para receber esse público, desde a equipe de limpeza, os maqueiros, a segurança, enfermeiros e médicos para que não ocorra nenhum tipo de mal estar.”
O procedimento de transição de gênero é realizado no Brasil desde o fim da década de 1990, após a aprovação e regulamentação do CFM autorizou e criou algumas regras.
O texto publicado em 1997 dizia que um transexual deveria obedecer a alguns critérios, como “desconforto com o sexo anatômico natural” e “desejo expresso de eliminar os genitais, perder as características primárias e secundárias do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto”, por exemplo. Para a cirurgia, era necessário ter o mínimo de 21 anos.
O procedimento, porém, só foi incorporado ao SUS em 2008, o que permitiu que o número de cirurgias aumentasse ao longo dos anos. Em 2010, o Conselho Federal criou novas regras e procedimentos para a realização da transição de gênero e são estas resoluções que foram atualizadas nesta quinta-feira pelo CFM.
A primeira cirurgia no Brasil foi anterior a qualquer resolução oficial. Ela foi feita em 1971 pelo cirurgião Roberto Farina, que chegou a ser condenado por isso. Farina também fez a primeira cirurgia em um homem transexual no Brasil – o paciente foi o psicólogo e escritor João Nery, autor do livro “Viagem solitária – memórias de um transexual 30 anos depois”.
Já a primeira cirurgia de redesignação sexual na rede pública no Brasil foi realizada em 1998, no Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas. Na época, o procedimento só foi possível após a resolução 1482/97 do CFM. A primeira mulher trans a ser operada pela rede pública de saúde foi Bianca Magro, em 1998.