Restaurantes usam calor da cozinha para gerar sua própria energia

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No telhado de um Burger King em Malmö, no sul da Suécia, Maggad Khalidy aponta para uma grande caixa de metal presa a uma “selva” de canos e fios.

Ao menos do lado de fora, ela está longe de representar uma inovação atraente. Mas Khalidy, dono da franquia de fast food que administra este restaurante, diz que economizou o equivalente a US$ 16 mil (R$ 79 mil) por ano nas contas de aquecimento do local.

A caixa metálica contém uma nova forma de equipamento de troca de calor chamada Lepido, que foi desenvolvida por uma startup sueca chamada Enjay.

A empresa detectou uma lacuna no mercado: como recuperar a energia dos vapores da cozinha e usá-la para aquecer outras áreas dentro de restaurantes? Esse novo mecanismo ajuda a reduzir as contas de energia do negócio e diminui as emissões de gases poluentes.

A Enjay acredita que o produto patenteado é o primeiro no mundo a oferecer uma recuperação de energia lucrativa a partir dos vapores emitidos na cozinha.

O Lepido tornou-se comercialmente disponível em 2018 e, desde então, foi instalado em cerca de 250 franquias do Burger King na Suécia, Noruega e Dinamarca, bem como em cozinhas de escolas e hotéis nos países nórdicos, além de Bélgica, Holanda e Luxemburgo.

O cofundador da Enjay, Nils Lekeberg, diz que um restaurante de tamanho médio pode reduzir suas contas de aquecimento em até 90% ao ano e baixar a pegada de carbono anual em 30 toneladas com a Lepido.

Com a crise global de energia, a Enjay diz que agora está enfrentando um aumento nos pedidos de donos de restaurantes de outras partes da Europa, além de Canadá e Estados Unidos — apesar de fazer pouco marketing fora dos países nórdicos.

Os testes com a nova tecnologia começaram recentemente em vários locais do Reino Unido, incluindo um Burger King localizado no condado de Hertfordshire. A caixa metálica também foi instalada em filiais da rede de culinária caribenha Turtle Bay, nas proximidades de Manchester, e no restaurante Brindleyplace, em Birmingham.

Matt Mansfield, gerente da Turtle Bay no Reino Unido, diz que ficou “impressionado” com o conceito, depois de ver os resultados dos testes de Enjay na Suécia. “Estávamos procurando maneiras de reduzir nossos custos e nos tornarmos mais sustentáveis, e essa tecnologia estava na vanguarda disso.”

Sistemas que transferem calor de uma parte de um edifício para outra já são comuns em muitas indústrias, mas recuperar a energia de cozinhas industriais é um desafio, explica Arne Speerfork, professor especializado em termodinâmica na Universidade de Tecnologia de Hamburgo, na Alemanha.

Isso porque o ar quente das cozinhas está cheio de gordura e de partículas de fuligem que grudam na superfície das tecnologias tradicionais de troca de calor, o que dificulta a recuperação dessa energia.

Como resultado, o ar quente produzido durante os processos de cozimento geralmente é expelido diretamente dos edifícios do restaurante para o ambiente externo.

A tecnologia da Enjay é maior do que os trocadores de calor convencionais e foi projetada para que as partículas de gordura e fuligem passem pelas bobinas de metal sem grudar nelas, diz Speerfork.

O ar quente pode então ser bombeado por tubos que transportam água fria, que então se aquece e pode ser usada para esquentar outras partes de um edifício.

“Isso com certeza pode ser eficaz”, avalia Speerfork. O especialista entende, porém, que o preço do produto provavelmente será um desafio para os proprietários de restaurantes pequenos e independentes.

O custo médio de compra e instalação de um trocador de calor Lepido é de cerca de US$ 30 mil (R$ 150 mil).

No entanto, Nils Lekeberg, da Enjay, argumenta que a maioria das empresas deve recuperar esse dinheiro em um ou dois anos.

Orestis Georgiadis cortando carne

No centro da cidade de Malmö, Orestis Georgiadis, de 56 anos, está aquecendo carne de porco em uma churrasqueira para fazer lanches similares a kebabs ou shawarmas num restaurante familiar que ele administra há 13 anos.

Ele está muito interessado em instalar novas tecnologias para economizar energia, ajudar a cortar custos e limitar as emissões de carbono de seu negócio. Mas Georgiadis diz que não poderia pagar “de jeito nenhum” por uma tecnologia como Lepido sem um empréstimo do banco ou apoio do Estado sueco.

Além de aquecer sua churrasqueira, ele precisa de energia para manter os fornos de pizza ligados o dia todo, alimentar uma máquina de lavar louça de tamanho industrial e armazenar alimentos em seus oito freezers e geladeiras. Pagar as contas de aquecimento e eletricidade foi uma luta no ano passado, especialmente porque os preços dos alimentos na Suécia também estão no nível mais alto desde a década de 1950.

Georgiadis precisou até desligar o aquecimento do salão principal do estabelecimento para economizar dinheiro, o que deixou seu restaurante “quase morto” depois das 20h da noite durante os meses de inverno.

Ele diz que as coisas estão melhorando devido às temperaturas mais amenas da recém-chegada primavera, mas não está convencido de que conseguirá manter o restaurante aberto se as despesas continuarem tão altas. “Se tivermos esses preços por mais um ano, acho que não vou sobreviver.”

Speerfork argumenta que a recuperação de calor dos vapores da cozinha pode se tornar um mercado mais competitivo e “sólido” no futuro se os altos preços da energia persistirem.

“Quanto mais alto fica o preço da energia, mais interessante é investir em tecnologias mais caras para recuperação de calor”, diz.

Atualmente, a principal competição de Enjay é uma pequena empresa britânica de quatro pessoas chamada Dext. Ela colaborou com a rede de restaurantes Nando’s e com a Universidade Sheffield Hallam para desenvolver um produto que troca energia e tem uma função semelhante para capturar o calor “desperdiçado” das saídas de ar da cozinha.