Polícia contém público em peça com Antonio Fagundes: ‘Não tenho pretensão de educar ninguém’, diz ator

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Antonio Fagundes agradece a pontualidade do repórter ao atender o telefone. “Se marcou horário, tem que cumprir”, ele diz. Há quatro décadas, o artista adota a seguinte regra nas montagens que apresenta nos teatros: no minuto exato em que a peça está marcada para começar, ninguém mais pode entrar na sala. O aviso está lá no ingresso de “Baixa terapia”, comédia atualmente em cartaz no Teatro Clara Nunes, no Shopping da Gávea, na Zona Sul do Rio de Janeiro. “O espetáculo começa RIGOROSAMENTE no horário marcado e não é permitida a entrada após o início, não havendo troca de ingressos e/ou devolução do dinheiro”, informa o bilhete.

No último sábado (14), cerca de 50 pessoas — aqueles que chegaram com um, dois, dez, 20 minutos de atraso — foram barradas e ficaram para fora do teatro. E se rebelaram com o fato. Parte do grupo ameaçou funcionários e, diante das negativas (e da explicação de que precisariam comprar ingressos para outro dia), esmurrou com violência a porta do estabelecimento. Com o tumulto, a peça precisou ser interrompida, e a sessão só foi retomada após a chegada de policiais. O caso foi tema de cartas de leitores do jornal O Globo.

“Estamos revoltadas com a total falta de carinho e empatia do ator Antonio Fagundes e sua equipe para com o público. Desejo ao profissional que volte para São Paulo, porque o Rio não é sua praia”, criticaram Rita Araujo e Marly Gutierrez. Espectadora que também foi barrada na porta, Miriam Rapoport reforçou o coro: “Nós (eu e meu marido, idosos) e cerca de mais 50 pessoas fomos impedidos de entrar no teatro para ver a peça. No dia anterior, foram barradas mais de 30 pessoas. Assim será por toda a temporada?”, ela questionou.

Fagundes ressalta que a postura rígida com o horário segue firme e forte. E lamenta que o óbvio — o fato de que o horário de uma peça precisa, sim, ser respeitado — não seja algo consensual.

— Eu me sinto até desconfortável de falar sobre isso, porque é como se a gente tivesse que explicar para as pessoas o que significa a palavra “começa”. Se uma peça começa às 20h, a pessoa não pode chegar no teatro faltando dois minutos para as 20h e achar que ela está no direito de atrapalhar as outras pessoas — comenta o ator. — Esse não é um problema particular do Rio de Janeiro. É um problema cultural, nosso. É como se fôssemos tão especiais que as coisas só pudessem então começar quando a gente chega. Parei de ir a cinema por causa disso. As pessoa são impossíveis: acendem a luz do celular e ficam falando… É um transtorno tão grande! Não quero que o público das minhas peças sofra o mesmo mal-estar.

O ator frisa que a rigidez com o horário não tem a intenção de educar o público. Essa não foi a primeira vez que ele passou por situação semelhante. Há alguns anos, em Portugal, parte do público atrasado precisou ser contida por autoridades do Exército.

— As pessoas que chegam no horário combinado passam pelo mesmo problema que todas as outras pessoas na cidade. Se choveu, choveu para todo mundo. Se tinha trânsito, também. Se houve blitz, idem — diz Fagundes. — Não tenho nenhuma pretensão de educar ninguém, mas de respeitar quem merece ser respeitado. Minha ideia não é penalizar alguém por ter chegado atrasado, mas favorecer aqueles que chegaram na hora. Não sei por qual razão as pessoas acham que, no teatro, determinadas regras, que são cumpridas em locais como aeroportos e provas como o Enem, deixam de existir. Ingresso é um contrato que se firma com a plateia. E está escrito lá: não pode entrar depois do início da sessão.