PEC do Estouro é perigosa para futuro da economia brasileira, avaliam especialistas

Mercado reage após apresentação da minuta com impacto de R$ 198 bilhões no orçamento fora do teto e falas de Lula na COP 27

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Economistas consultados pelo CNN Brasil Business avaliaram as falas do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, nesta quinta-feira (17), como perigosas para o futuro da economia do Brasil.

Lula voltou a criticar o teto de gastos na COP27, em Sharm el-Sheik, no Egito, em discurso a representantes de movimentos sociais. No dia seguinte à entrega da minuta da PEC pela equipe do Estouro ao Congresso, Lula afirmou que “não adianta ficar pensando só em responsabilidade fiscal” e afirmou que quando se fala em teto de gastos, se tira dinheiro “da saúde, da educação e da cultura”.

Segundo o diretor da Wagner Investimentos, José Faria Jr., em sua campanha, Lula nunca apresentou nenhum projeto econômico e em momento algum cogitou falar um nome para o ministro da Fazenda, além de sempre se posicionar contra o teto de gastos. “Todas as falas do presidente eleito, antes e depois das eleições, nunca estiveram atreladas à responsabilidade fiscal”, avalia.

O economista explica que, com as propostas apresentada na minuta da PEC, a trajetória da dívida ficará impossível de ser paga. De acordo com ele, os analistas preveem uma alta de 20 pontos percentuais da dívida brasileira em quatro anos, dificultando seu financiamento. “A saída será cobrar juros mais alto. O Brasil é um país com um grau de investimento baixo e está arriscado a tomar um novo downgrade, pois o mercado global não esperava tanto gasto”, diz.

Levantamento da XP divulgado nesta semana calcula que tirar R$ 175 bilhões do alcance do teto constitucional de gastos pode levar a dívida bruta brasileira dos atuais 76% para até 97,5% do PIB (Produto Interno Bruto).

Esse cenário mais negativo para a economia brasileira, conforme avaliou Faria Jr., já estava traçado antes dos R$ 198 bilhões previstos pela PEC. “Agora ficou mais sensível, pois a proposta é de que esse gasto seja permanentemente”, alerta.

Faria Jr. avalia que, se os juros sobem, consequentemente, os projetos de empresas ficam piores, a distribuição de dividendos cai, a despesa financeira sobe e outras companhias perdem o interesse de investir no país. “São essas causas que fazem o dólar subir tanto, e é o que o país está vendo agora neste momento”, aponta.

Para ele, ainda há muitas dúvidas sobre o que será aprovado, mas tanto Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, e Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, estão dando sinais de que querem o “Bolsa Família” fora do teto em 2023. “Isso já é uma atitude perigosa, pois qualquer concessão que for feita, não vai mais recuar. O ideal seria seguir a ideia do atual ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, em que ele sugere um estouro do teto em R$ 80 bilhões”, destaca.

Porém, o economista ressalta que nenhum dos poderes está sinalizando que a PEC possa ser aprovada de forma diferente da que foi proposta. “Isso vai gerar uma insegurança ao mercado. Se o congresso aprovar neste ano essa proposta de estouro para os quatro anos, os deputados que assumirem no próximo ano vão perder a legitimidade. Ou seja, um governo endividado precisa ter credibilidade, e o que temos visto é o oposto, com o aumento da incerteza”, ressalta.

Em entrevista recente à CNN, o José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimento, disse que um plano de gastos sociais que não considera responsabilidade fiscal levaria, provavelmente, o Brasil a uma recessão.

“O ponto fundamental aqui é que o Brasil é emergente. (Aumentar a dívida) geraria um aumento do custo fiscal, aumento dos juros demandados pelos investidores para financiar essa dívida e, consequentemente, aumento da taxa de juros, desvalorização cambial, inflação e, muito provavelmente, uma recessão bastante forte”, disse.

Responsabilidade fiscal X responsabilidade social

Na visão do ex-diretor do Banco Central e sócio da Mauá Capital, Luiz Fernando Figueiredo, tratar responsabilidade fiscal e responsabilidade social de forma incompatível é o principal erro de Lula. “A estabilidade é um pressuposto para se ter um bom ambiente em que o país possa crescer e sanar suas necessidades, ou seja, sem isso, nada acontece. Em um ambiente instável, a inflação é alta, e quem mais sofre com isso é a população mais pobre”, afirma.

A minuta que prevê, além dos R$ 175 milhões fora do teto de gasto, mais R$ 22 bilhões para investimentos futuros, Figueiredo classifica como um “desastre”. Para ele, o que está se propondo é um novo arcabouço fiscal. “Sem um período determinado não é um waiver, que é uma licença para gastar temporária”, pontua.

O que se imaginava, segundo Figueiredo, era que este estouro não passasse dos R$ 100 bilhões e teria um período determinado, que seria por um ano. “Essa proposta inflada incomoda o mercado e abre ao congresso a possibilidade de barganhas com o governo nos próximos anos”, aposta.

Reação do mercado

O mercado reagiu negativamente às falas de Lula e a minuta divulgada na véspera. O Ibovespa passou boa parte da manhã em queda de mais de 2%, enquanto o dólar ultrapassou R$ 5,50. Já as taxas de juros futuras superavam o pior período do governo Bolsonaro, batendo recorde.

Em nota aos clientes nesta quinta-feira, o Morgan Stanley disse que o mercado tem sido a única oposição ao projeto de estouro do teto no tamanho que foi proposto. “A falta de forte oposição ao projeto de lei é alarmante. Não há um único parlamentar batendo na mesa tentando se opor, a não ser talvez Ciro Nogueira no fim de semana alegando que ‘precisa haver discussões’, o que é indiscutivelmente brando”.

“Não é nenhuma surpresa que o mercado basicamente apagou qualquer corte de taxa de juros da curva e agora está adicionando alguns aumentos. Roberto Campos, presidente do BCB, tem falado que o fiscal é crucial para o ciclo de flexibilização e estamos vendo exatamente o oposto da disciplina fiscal. O movimento na curva de taxas é impressionante”, escreveu a instituição.