Comissão da Câmara faz relatório com críticas à atuação do Ministério da Educação durante a pandemia

Relatório faz um panorama geral das políticas educacionais adotadas até o momento e traz também recomendações aos Poderes Executivo e Legislativo sobre como proceder durante a pandemia.

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A Comissão Externa da Câmara destinada a acompanhar ações do Ministério da Educação (MEC) concluiu nesta terça-feira (16) relatório sobre a atuação da pasta durante a pandemia do coronavírus. O documento traz críticas à falta de liderança da pasta na orientação dos gestores nos estados e nos municípios e à ausência de diálogo em decisões tomadas pelo ministério no período.

G1 entrou em contato com o MEC sobre as críticas e, até a mais recente atualização desta reportagem, ainda aguardava retorno. No ano passado, o relatório apontou “fragilidade” no planejamento e gestão no MEC.

A Comissão Externa chama atenção, por exemplo, para a demora para a homologação pelo MEC de parecer do Conselho Nacional de Educação com regras sobre a educação na pandemia. O texto do CNE foi finalizado no dia 28 de abril e validado parcialmente pelo ministério em 1º de junho. O MEC deixou de fora trecho que falava sobre avaliações e exames. O item foi então encaminhado para o reexame do CNE.

Desde março, as aulas estão suspensas em todo o Brasil. Três meses depois, o país ainda não tem regras sobre como vai avaliar o conhecimento dos estudantes durante e depois desse período. “Embora muitas das ações diretas sejam providenciadas por estados e municípios, não são poucas as atribuições do MEC nessa ocasião, sendo justamente a coordenação federativa a mais importante” – diz o documento da Comissão Externa.

Alunos da rede pública vivem a sensação de que 2020 será um ano letivo perdido

O documento resulta de trabalhos realizados pelo grupo de parlamentares entre os meses de abril e maio para o acompanhamento e a publicidade das políticas públicas adotadas pelo país para diminuir os impactos da crise social e educacional provocada pela Covid-19.

O relatório também destaca que a indefinição acerca da realização do Exame Nacional do Ensino Médio prejudica os estudantes, principalmente os mais carentes. “Afora as questões de saúde pública, que não devem ser desconsideradas, a consequência imediata é o impacto negativo no aprendizado dos estudantes, sobretudo dos mais pobres. Apesar das escolas buscarem alternativas para ofertar o acesso remoto ao ensino, em todo o território nacional já é percebido o impacto da ausência da assistência diária ofertada pela escola para todos os alunos”.

O Enem de 2020 segue sem data definida. Com as aulas suspensas em todo o país, houve pressão para que a prova não ocorresse em novembro deste ano. Mas, desde o início da pandemia, o MEC e o Inep, responsável pela realização da prova, manifestaram a intenção de manter o cronograma. Em propaganda veiculada em rede social, o MEC passou a mensagem “o Brasil não pode parar”, com vários estudantes relatando a possibilidade de manter os estudos em casa.

uma enquete para que os candidatos escolham, eles mesmos, uma nova data para as provas.

O texto da Comissão Externa cita levantamento da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, segundo o qual metade dos estudantes do mundo, mais de 850 milhões de crianças e adolescentes, está sem aulas por conta da pandemia. Ainda de acordo com esse relatório da Unesco, citado pelos parlamentares, 80 países cancelaram, remarcaram ou adiaram suas provas, entre eles os Estados Unidos, a China e o Reino Unido.

Para os parlamentares, o MEC deveria realizar reuniões e debates órgãos colegiados de educação nos âmbitos federal, estadual e municipal, para definir um novo calendário para a aplicação do Enem e divulgar materiais de preparação para a prova.

“O MEC deve criar um canal on-line para que estudantes tenham acesso aos conteúdos do Enem, com aulas, material didático e recomendações sanitárias e psicológicas para manutenção da saúde do estudante. Em conjunto com estados e municípios, pode ainda promover política de auxílio financeiro para impressão de material didático de preparação para o Enem a fim de atender as famílias mais carentes ou que não possuem acesso à tecnologia em suas residências”.

Outros pontos do relatório:

1) Sistema Nacional de Educação e Comitê Operativo de Emergência

Para a comissão, a falta de regulamentação de um sistema nacional (determinado na Constituição mas nunca plenamente estabelecido) prejudicou a unicidade das medidas para lidar com a pandemia. Sem isso, e sem que o ministério assumisse um papel de liderança, questões como o apoio a estados e municípios para ações de ensino remoto e planejamento da volta às aulas ficaram prejudicadas. O resultado disso foi a emergência de atores (como a Undime, o Consed e o CNE), que se estruturaram para permitir a troca de informações entre gestores.

“A educação básica é responsabilidade de estados e municípios, mas o MEC deveria dar as diretrizes em um momento como esse”, afirma a deputada Tabata Amaral (PDT).

2) Alfabetização e Modalidades Especializadas de Educação

A comissão destaca, além das duas políticas relacionadas a alfabetização lançadas (Tempo de Aprender e Conta pra Mim), o fato do ministério ter estabelecido um curso online gratuito para alfabetizadores. Mas lembra que o ministério não publicou nenhuma medida em relação à alfabetização de jovens e adultos – eles destacam que a ação relacionada ao tema, até meados de maio, não havia tido qualquer recurso utilizado, com 0% de execução do orçamento em 2020.

Também no contexto da coordenação com os entes federados, os deputados destacaram o fato de que faltaram diretrizes nacionais do MEC para continuidade ao aprendizados dos estudantes em processo de alfabetização. Sobre o Tempo de Aprender, programa que inclui um eixo de qualificação, a comissão relembra das condições de muitos professores de acesso à rede para realizar o curso.

Por causa disso, a comissão recomendou ao MEC que estabelecesse uma política de financiamento para municípios, que ampliasse a acessibilidade e estrutura tecnológica para famílias e redes escolares, ajustes ao programa e ajustes no programa Conta Pra Mim, por exemplo.

3) MP 934/2020

A medida provisória permitiu às universidades flexibilizarem seus calendários letivos, em um momento em que 80% das universidades suspenderam suas atividades. Para voltarem às aulas, os deputados fazem recomendações semelhantes às que fazem em outros níveis de ensino, envolvendo atenção ao acesso tecnológico. É interessante notar a fala do secretário de Ensino Superior aos deputados sobre o tema: “a posição do órgão é de respeito à autonomia Universitária das instituições, contudo a Secretaria afirma que está incentivando o retorno das IES federais às suas atividades em caráter não-presencial, por meio de emissão de ofício aos reitores, questionando as razões pela não continuidade das aulas e se existe periodicidade definida para a volta às atividades.” A justificativa é de que o ministério quer saber as possíveis dificuldades para “atuar de forma focalizada”.

Aqui, os parlamentares também tratam da falta de coordenação, ao destacar que a MP foi editada sem que as universidades particulares fossem ouvidas e ressaltando que é necessário que o MEC se aproxime das associações representativas dos estudantes e das próprias universidades para traçar estratégias conjuntas.

4) Financiamento – Compras Públicas e Transparência

A comissão destacou que, desde o decreto da pandemia (que estabeleceu regras mais flexíveis para contratações no período), foram realizadas 3.566 contratações no âmbito do MEC que somaram R$ 1,6 bi. Quase um terço dos contratos foram pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh(, somando quase metade do valor (R$ 757,4 mi), com mais um volume significativo por universidades federais. Praticamente 3 em cada 4 contratos realizados nesse período ocorreram com dispensa ou inexigibilidade de licitações.

De tudo isso, os parlamentares decidiram centrar esforços em 109 contratos, que correspondem a cerca de R$ 230 milhões, por terem sido compras diretas, classificadas como emergenciais, de valor superior a R$ 100 mil e por terem apresentado a Covid-19 como justificativa. Três quartos destes contratos foram fechados pela Ebserh, e os demais por universidades e institutos federais. Mas isso ainda está no começo. Os deputados explicam como analisarão os números, mas ainda não apresentaram nenhuma conclusão quanto a isso.

“O que traz o relatório não surpreende”, afirma a deputada Tabata Amaral. “Independente de concordarmos ou não com a linha ideológica, a gente vê que não temos um ministro que leve a educação a sério. Então uma série de coisas que já existiam, foram agravadas com a pandemia”, relata.