Jean Wyllys fala sobre vida na Europa e dispara: “As fake news não fariam sucesso se as pessoas já não tivessem preconceito”

Acompanhe a entrevista dada pelo Ex-deputado a revista GQ Brasil.

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Jean Wyllys está melhor. Seis meses após o exílio voluntário para o qual partiu após receber ameaças de morte, o ex-deputado federal começa a deixar a imagem de político para trás para consolidar-se, na Europa, como um teórico que estuda o Brasil. Morando em Berlim, viaja muito por palestras e conferências levando na pauta um assunto que conhece bem: as fake news e os discursos de ódio. “Dito de maneira simples: as fake news não fariam sucesso de as pessoas já não tivessem preconceito”, defende Jean, que recentemente voltou às manchetes duvidosas ao ser associado com Glenn Greenwald, do site The Intercept Brasil, e com David Miranda, que o substituiu na Câmara. Em entrevista à GQ Brasil, ele analisa a história e fala um pouco de sua vida longe – mas não tanto – do cotidiano brasileiro.

GQ Brasil: Essa pergunta geralmente é retórica, mas no seu caso não é: Como vai você?
Jean Wyllys: Agora estou melhor, começando a equilibrar a saudade da minha família, dos meus amigos, com uma rotina produtiva na Europa. Não tenho ainda exatamente uma rotina em Berlim, que é a cidade onde moro. Tento, mas o trabalho que me sustenta implica fazer viagens frequentes. Sou bolsista da Open Society Foundation, que financia os meus estudos sobre a articulação das fake news com discursos de ódio, e faço muitas conferências a convite deles. Sou hoje visto como um brasilianista que analisa o Brasil tendo a América Latina como pano de fundo. É essa a minha imagem pública na Europa, é esse o meu trabalho.

GQ Brasil: Passados já mais de seis meses do início dessa temporada de exílio, como você avalia essa experiência?

Jean Wyllys: É uma experiência duríssima. Não deixei o Brasil para fazer uns estudos e voltar. Deixei porque eu não podia continuar no país e faço questão de dizer para as pessoas que isso se deu por causa das ameaças que chegavam por telefone, por e-mail, pelas redes sociais, mas também pelas agressões que o cidadão comum fazia contra mim. É uma experiência dolorosa demais você deixar um lugar que é seu, em que você viveu toda a vida, porque sua permanência ficou insustentável. Se trata da destruição da minha imagem e da minha reputação junto à população do meu país.

GQ Brasil: Essas agressões a que você se refere aconteciam com que frequência?
Jean Wyllys: Era uma coisa cotidiana! Não havia momento em que eu colocasse os pés na rua em que alguém não viesse me insultar ou falar da minha morte como algo desejável. Essa recente avalanche de fake newscontra mim [Jean refere-se às “notícias” de que teria vendido seu mandato para o suplente David Miranda] despertou uma nova onda de ameaças de morte. Então, tenho certeza de que fiz a coisa certa. Não posso voltar para o Brasil nem para passar férias, nem para ver minha família. Falo com a minha mãe quase todo dia e a grande angústia dela – e também a minha – é saber se vou voltar antes dela morrer.

GQ Brasil: O seu trabalho acadêmico é todo na área de teoria da comunicação. Como pesquisador, como você explica que as pessoas acreditem nas fake news mais absurdas mesmo tendo ao alcance instrumentos para verificar se elas são ou não verdade?
Jean Wyllys: As fake news são compostas de elementos da verdade tirados de seu contexto original e usados em outro. Elas são construídas de forma a produzir um todo coerente feito sob medida para interpelar o preconceito que já existe na maioria das pessoas. Dito de maneira simples: as fake news não fariam sucesso se as pessoas já não tivessem preconceito.

GQ Brasil: Você poderia dar um exemplo?
Jean Wyllys: Essa fake news sobre Glenn Greenwald e David Miranda, por exemplo, trabalha com elementos da verdade. É um fato que eu decidi não investir no meu mandato por causas das ameaças de morte. O meu suplente era o David Miranda. Por coincidência, nós dois somos do mesmo partido, somos gays e temos o mesmo domicílio eleitoral; por coincidência, David Miranda é casado com Glenn, que é o editor do The Intercept. Pegaram esses elementos da verdade e os recontextualizaram na fake news, interpelando a homofobia como elemento importante para que as pessoas façam adesão à ela. Em primeiro lugar, são três viados. E se são três viados já vamos suspeitar! Um deixou o país, o outro assumiu o lugar desse que deixou o país e é casado com o jornalista que está denunciando Bolsonaro e o Moro, então provavelmente esse que está na Europa vendeu o mandato para esse, que é casado com aquele, que é sustentado por um bilionário russo que é o dono do Telegram… Para quem tem preconceito, essa história faz todo o sentido.

GQ Brasil: O fato de hoje olhar o Brasil de longe modificou o seu olhar sobre o país? Tomar distância ajudou a compreender melhor o que estamos passando?
Jean Wyllys: Eu vi as duas faces desse país. Somos um povo alegre, cordial, feliz, temos uma resistência impressionante, fazemos baticum do batente, temos uma música vigorosa que não encontra paralelo no mundo… Nós somos isso. Mas existe uma face de nós que estava recalcada. Que nação é essa que se incomoda com o fato de que as famílias pobres recebam 70 reais por mês através do Bolsa Família, que chama de bolsa-vagabundo um valor que tanta gente gasta numa única noite num bar? Que nação é essa que não reconhece a vulnerabilidade da população preta moradora das periferias, que não reconhece que a justiça brasileira tem lado, que não vê que a população carcerária é em sua maior parte preta e pobre? Todo o processo de redemocratização do país nos governos FHC e principalmente nos governos Lula interpelaram o que temos de melhor em nós. Botamos para fora aquilo que faz com que o mundo goste da gente. Nós mesmos nos víamos como pessoas bacanas. A economia indo bem, a gente partindo para o quase pleno emprego, luz para todos, ingresso na universidade geraram uma onda de felicidade. Venci o BBB em 2005 muito nessa onda de felicidade. O país estava feliz e logo estava aberto à diversidade. Naquele tempo foi possível eleger um nordestino gay, professor.

GQ Brasil: A onda conservadora coincide com a crise econômica…
Jean Wyllys: Quando veio a crise econômica em 2013, tudo o que estava recalcado veio à tona. Nosso racismo, nossos 350 anos de escravidão, nosso machismo católico, intolerante… Todo o freio foi retirado. A metáfora é Brumadinho. A barragem que se rompe e engole a cidade com rejeitos é a metáfora do que o brasileiro viveu dentro de si. O preconceito que estava represado explodiu tomando conta de tudo, encontrando na figura do presidente um catalisador. Eu não me reconheço nessa nação, mas também não vou negar que essa nação existe e que ela ganhou as eleições. Ganhou com mentiras, mas ganhou.