Os superidosos

De acordo com a tendência mundial, brasileiros chegam aos 90 anos lúcidos e ativos, apesar das dores do tempo. Levar uma vida saudável desde sempre é mais importante que a genética, dizem os pesquisadores

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Os brasileiros que atingiram mais de nove décadas de vida somam 775 mil em 2019. Em termos demográficos, são menos de 0,5% da população e, junto com os octogenários, formam o grupo etário que mais cresce proporcionalmente. Em 2049, quando a turma que faz 60 este ano chegar aos 90, eles serão quase 3,5 milhões. Alguns deles aproveitam a vida bem melhor do que os mais jovens, incluindo aí as turmas dos 70 e 80 anos. Ainda que a classificação científica não exista, a vida de qualidade que levam permite que sejam chamados de superidosos, mesmo diante das dores e das limitações inevitáveis. Para os pesquisadores, o segredo não estaria na busca pela juventude nem nos genes, mas nos cuidados anteriores que mantiveram com a saúde e no estilo de vida que cultivam, com amizades e atividades.

NORA RÓNAI
Idade: 93
Como vive: Faz natação, apesar do joelho dolorido, lê por algumas horas todos os dias e faz jardinagem pela manhã (Crédito:Divulgação)

“A genética é responsável por apenas 25% do envelhecimento saudável. A maior parte vem das condições ambientais”, diz o infectologista e especialista em envelhecimento Alexandre Kalache. Essas constatações surgiram após observações nas comunidades mais longevas do mundo, na ilha de Okinawa, no Japão, Nikoya, na Costa Rica, e Ogliastra, na Sardenha, onde não raro alguém atinge 100 anos. No Brasil, a expectativa de vida cresce e atinge todas as classes sociais. “Os problemas de alguns nonagenários são iguais aos de quem tinha 70 anos há três décadas”, diz Carlos Uehara, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).

O anúncio de que a designer e empresária americana Iris Apfel foi contratada aos 97 anos pela IMG Models é o exemplo extremo de que a vida segue para quem está bem e antenado. A agência cuida de fashionistas como Gisele Bündchen, Cindy Crawford e Tyra Banks. As contribuições de Apfel lhe renderam, desde 2005, um livro, documentários e exposições. No Brasil, a peça “Através da Iris” é estrelada por Nathalia Timberg, de 89 anos.
O estilo de vida também explica a disposição da professora universitária aposentada Nora Rónai, do Rio de Janeiro. Aos 93 anos, ela mantém uma prazeirosa rotina de exercícios, leituras e afazeres. “Sou uma apaixonada pelo divertimento”, afirma. Nadadora, ela lamenta que uma dorzinha persistente nos joelhos a fez diminuir os mergulhos na piscina do Clube Guanabara para apenas dois dias por semana. Os 1,6 mil metros caíram para 1,2 mil metros. Já a rotina de musculação leve com sua personal trainer foi mantida. Nora jura que nada a incomoda. Frugal, seu único exagero é comer um pedaço de frango frito de vez em quando.

Praticante de salto ornamental até os 30 anos, foi campeã brasileira e vice sul-americana. Parou após a segunda gravidez, quando percebeu que já não tinha a mesma elasticidade que as concorrentes adolescentes. A genética ajudou, pois Nora sempre manteve o peso do início da vida adulta. Porém, o que conta é a cabeça. Todas as manhãs ela gasta uma hora cuidando das plantas. À noite, lê em português, inglês, italiano e húngaro no tablet que ganhou da filha, a escritora Cora Rónai. Ela prefere os contemporâneos, como Svetlana Aleksiévitch e Yuval Harari.

Com ânimo e ignorando o marca-passo, o ex-desenhista Carlos Alberto Manço resolveu enfrentar a viuvez estudando. Aos 91 anos, cursa o segundo ano de arquitetura em Ribeirão Preto (SP). Senta nas primeiras cadeiras para compensar a perda de audição. Por detestar ser chamado de senhor pelos colegas 70 anos mais jovens, virou o Carlão. “Mais de 90% dos meus amigos já morreram. Ganhei novos. A molecada me faz sentir como um ‘garoto’ de 65”, brinca. Carlão tem planos para quando se formar, aos 95 anos. Quer atuar no escritório de arquitetura de seu neto.

CARLOS ALBERTO MANÇO
Idade: 91
Como vive: Entrou na faculdade de arquitetura aos 90. Quando se formar, aos 95, almeja trabalhar no escritório do neto (Crédito:Divulgação)

Viagens e companhia

Outra serelepe é Maria de Freitas Panadés. Viúva há 32 anos, aos 95 ela não sabe o que é ficar em casa. Decana de um grupo de senhoras, foi para a Argentina quatro vezes e deve ir ao Chile em setembro. Sem doenças crônicas, só reclama de algumas dores. Ela vive com o filho, o neto e duas domésticas, o que lhe garante casa cheia. A única queixa: “Não tenho companhia para o pilates”, diz.

Respeitadas a fortuna e os tratamentos, Carlão, Nora e Maria não diferem tanto do ator americano Dick Van Dyke. Aos 93 anos, ele atuou e dançou em “O Retorno de Mary Poppins”, continuação do filme de sucesso que estrelou em 1964. Van Dyke precisou de maquiagem para parecer mais envelhecido, provando que hoje os 90 são os novos 70.