O ex-assessor disse afirmou que fazia "gerenciamento financeiro" dos salários recebidos pelos outros funcionários do gabinete do hoje senador Flávio Bolsonaro.

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O Ministério Público do Rio de Janeiro, que investiga movimentações financeiras suspeitas de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro (PSL) na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, enfim recebeu explicações de Queiroz – por escrito – após tentativas frustradas de ouvi-lo pessoalmente.

A Promotoria já havia tentado obter explicações de Queiroz em quatro ocasiões, mas o ex-assessor faltou às convocações alegando emergências médicas. Sua mulher e suas filhas também faltaram a convocações para depor. Com as explicações em mãos, quais serão os próximos passos do Ministério Público fluminense?

A investigação deve focar agora a análise das informações dadas por Queiroz em seu depoimento por escrito.

O ex-assessor disse afirmou que fazia “gerenciamento financeiro” dos salários recebidos pelos outros funcionários do gabinete do hoje senador Flávio Bolsonaro. Ele confirmou que os funcionários do gabinete repassavam parte dos salários para sua conta, mas disse que o objetivo era contratar com esse dinheiro mais funcionários para trabalhar com o intuito de “intensificar a atuação política” do deputado.

Segundo Queiroz, essa estratégia teria sido informal e realizada sem o conhecimento do filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro.

A Promotoria deve investir também em pontas soltas da história. Em sua defesa, o ex-assessor de Flávio Bolsonaro não deu informações sobre:

  • Quem foi subcontratado e para quais funções?
  • Em que período esses supostos contratos foram feitos e com que salários?
  • Por que os depósitos e os saques foram feitos de modo fatiado?
  • Por que Flávio Bolsonaro não seria informado de subcontratação de funcionários em seu gabinete?
  • Se o dinheiro era para subcontratação, por que um funcionário do gabinete afirmou que os repasses eram reinvestidos por Queiroz?
  • Por que Queiroz repassou um cheque de R$ 24 mil à primeira-dama Michelle Bolsonaro?

Queiroz afirma que vai apresentar os nomes no futuro, que acredita ter agido “de maneira lícita” e que “jamais se beneficiou de qualquer recurso público para si ou terceiro”.

Flávio BolsonaroDireito de imagem REUTERS/SERGIO MORAES
Flávio Bolsonaro ainda não se manifestou sobre o depoimento de Queiroz

Próximos passos

O promotor responsável pelo caso, Luis Otávio Figueira Lopes, também deve colher depoimentos de outras pessoas envolvidas, procurar e analisar provas e documentos pertinentes.

Também pode pedir ajuda da outras instituições. O Ministério Público não divulga quem serão as próximas testemunhas ouvidas e quais os próximos passos porque as investigações acontecem em sigilo de Justiça.

Formalmente, Flávio ainda não é investigado em procedimentos criminais no caso, mas sabe-se que a Promotoria também quer colher seu depoimento sobre as movimentações financeiras de Queiroz quando trabalhava em seu gabinete. O Ministério Público já tentou ouvi-lo, mas o senador não compareceu, alegando não ter tido acesso ao conteúdo da investigação.

Em um post no Facebook, ele disse que se comprometia a marcar dia e horário para prestar os “esclarecimentos devidamente fundamentados”, mas pouco tempo depois pediu a suspensão das investigações ao Supremo Tribunal Federal (STF).

A principal suspeita do Ministério Público é de que o ex-assessor embolsava o dinheiro para si mesmo ou repassava a quantia para Flávio. Se o Ministério Público concluir que crimes foram cometidos, ele deve reunir as provas e apresentar denúncias à Justiça, mas ainda não há previsão de conclusão das investigações.

O procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro, Eduardo Gussem, disse em janeiro que o Ministério Público do Estado pode apresentar denúncia à Justiça mesmo que Flávio Bolsonaro não preste depoimento.

Segundo Gussem, há “provas documentais consistentes” embasando investigação e os depoimentos seriam para ouvir as defesas dos envolvidos.

Como começou a investigação?

A apuração sobre o caso Queiroz começou depois que o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), que atua na prevenção e combate à lavagem de dinheiro, identificou movimentações atípicas e incompatíveis com seu patrimônio em suas contas durante uma investigação ligada à Operação Lava Jato, no fim do ano passado.

Tuíte de Flávio BolsonaroDireito de imagem REPRODUÇÃO/TWITTER
No Twitter, Flávio Bolsonaro falou sobre sua confiança no ex-assessor

O relatório do Coaf veio à tona no início de dezembro do ano passado, em reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, pouco tempo depois da eleição de Jair Bolsonaro à Presidência.

Dias depois, o Jornal Nacional revelou que o Coaf também descobriu que outros funcionários do gabinete de Flávio repassavam dinheiro ao assessor, na maior parte das vezes em datas próximas ao dia de pagamento na Assembleia Legislativa do Rio.

Como o Ministério Público Federal não encontrou indícios de que as transações tenham relação com o esquema da Lava Jato, o caso foi repassado ao Ministério Público do Rio de Janeiro, que abriu um procedimento de investigação criminal.

Após faltar a um dos depoimentos, Queiroz deu uma entrevista ao canal SBT dizendo que o dinheiro veio de suas atividades econômicas extras, como a venda de carros – versão que reforçou no depoimento por escrito ao Ministério Público.

Vaivém no Supremo

Dias depois de não comparecer ao MP para prestar depoimento e se comprometer a marcar data para dar esclarecimento, Flávio entrou com um pedido no STF para que a investigação criminal saísse da primeira instância judicial e fosse remetida ao Supremo por prerrogativa de foro privilegiado.

O argumento de Flávio era de que, mesmo não sendo formalmente investigado, ele é o alvo efetivo dos investigadores estaduais, o que feriria sua prerrogativa de foro como senador.

Inicialmente, o ministro Luiz Fux atendeu ao pedido liminarmente e as investigações foram interrompidas. Mas em 1º de fevereiro o ministro Marco Aurélio Mello, relator do caso, reverteu a decisão e disse que “a situação jurídica (de Flávio) não se enquadra na Constituição Federal em termos de competência do Supremo”.

Flávio BolsonaroDireito de imagem SERGIO LIMA/AFP
Como parte de uma investigação da Operação Lava Jato, foi identificada uma movimentação bancária suspeita no valor de R$ 1,2 milhão por parte de um ex-assessor de Flávio Bolsonaro

No ano passado, o STF havia o entendimento sobre o foro especial de parlamentares, que passa ser restrito a crimes ocorridos no exercício do mandato e ligados à atividade parlamentar.

Se o pedido fosse aceito pelo STF, a investigação passaria a tramitar na Corte e a ser conduzida pela Procuradoria-Geral da República. Como foi negado, ela continuou com a promotoria estadual do Rio de Janeiro.

Alguns dias depois, o promotor designado para o caso, Cláudio Calo se declarou suspeito para investigá-lo após ser revelado na imprensa que ele já relativizou a gravidade dos depósitos suspeitos e que se encontrou com ele em novembro do ano passado durante uma reunião de amigos.

A investigação então foi assumida por Luis Otávio Figueira Lopes, que pediu ajuda do Gaecc (Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção) para apurar as suspeitas.

Segundo a Promotoria fluminense, o auxílio foi solicitado “em razão da complexidade do caso e da necessidade de análise mais específica e detalhada dos elementos de prova”.

Procurado pela BBC News Brasil após o depoimento de Queiroz, Flávio Bolsonaro disse por meio de sua assessoria que não haverá pronunciamento oficial no momento.