Mosquitos Aedes observados em malha de laboratório usados em pesquisa brasileira com Wolbachia para impedir transmissão da dengue.
Imagem ilustrativa de mosquitos Aedes utilizados em técnicas de modificação com Wolbachia para reduzir a transmissão da dengue no Brasil.

O pesquisador brasileiro Luciano Moreira, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), foi incluído pela revista Nature entre as dez pessoas que moldaram a ciência em 2025. O reconhecimento, porém, não veio por acaso: ele lidera uma estratégia, na qual um brasileiro cria mosquito que não transmite dengue, revolucionando o combate ao Aedes aegypti e abrindo caminho para uma redução expressiva dos casos de dengue no país.

Ao longo de 17 anos de pesquisa, Moreira desenvolveu a técnica que utiliza a bactéria Wolbachia para impedir que o vírus se multiplique dentro do mosquito. Dessa forma, o inseto continua vivendo normalmente, mas perde a capacidade de transmitir dengue, zika ou chikungunya. Além disso, a presença da bactéria nas fêmeas faz com que elas transmitam essa característica aos ovos, o que sustenta a proteção de forma natural ao longo das gerações.

Luciano Moreira, pesquisador selecionado na lista dos 10 mais influentes na pesquisa no mundo em 2025 pela revista Nature — Foto: Divulgação

Embora a inovação tenha começado em laboratório, os resultados já são observados em diversas cidades brasileiras. Em alguns municípios, por exemplo, as pesquisas apontam queda de até 89% nos casos da doença. Por isso, o impacto do trabalho chamou atenção da comunidade científica internacional.

Reconhecimento que fortalece a ciência brasileira

Moreira afirma que receber o destaque da Nature foi emocionante, sobretudo porque confirma que o Brasil consegue produzir ciência de ponta mesmo diante de dificuldades estruturais. Segundo ele, o maior orgulho é perceber que a tecnologia já reduz sofrimento e salva vidas.

“É muito importante mostrar que a ciência, apesar dos desafios, consegue transformar realidades. Quando vemos as reduções nos casos de dengue, entendemos o quanto esse trabalho faz diferença”, disse.

Além disso, o pesquisador ressalta que o país tem profissionais extremamente talentosos, mas que ainda encontra pouco investimento para ampliar pesquisas em ritmo acelerado. Mesmo assim, afirma que a criatividade brasileira sempre foi um diferencial dentro dos laboratórios.

Como a técnica funciona e por que se tornou um marco científico

Luciano Moreira está hoje à frente da maior fábrica de mosquitos do mundo — Foto: Peter Illiciev

A curiosidade de Luciano começou ainda na infância, quando observava insetos no quintal de casa. Com o tempo, esse interesse evoluiu para a carreira científica. Logo no início da trajetória, ele se perguntou como seria possível combater o mosquito sem extinguir a espécie e sem causar danos ambientais. A resposta, contudo, surgiu com a Wolbachia.

A técnica consiste em introduzir a bactéria nos ovos do Aedes. Assim que o mosquito nasce, a Wolbachia impede que o vírus da dengue se multiplique. Consequentemente, mesmo que o inseto pique uma pessoa infectada, ele não transmite a doença para outros indivíduos.

Outro diferencial é que, como a bactéria é repassada naturalmente para os ovos, novas gerações já nascem protegidas. Isso reduz custos, agiliza resultados e evita a necessidade de solturas contínuas.

A maior fábrica de mosquitos do mundo

O avanço da iniciativa levou Luciano Moreira a coordenar a maior fábrica de mosquitos do mundo, instalada em Curitiba. O local produz milhões de mosquitos com Wolbachia que, posteriormente, são enviados para diferentes regiões do país.

Com apoio do Ministério da Saúde, a tecnologia já está presente em 16 cidades brasileiras. Conforme estudo publicado na revista The Lancet, áreas que receberam o método apresentaram redução média de 63% nos casos de dengue, embora algumas regiões tenham registrado índices ainda maiores.

“Chegar até aqui exigiu persistência. No entanto, ver o impacto direto na vida das pessoas é extremamente gratificante”, afirmou o pesquisador.

Outros nomes que marcaram a ciência em 2025

A lista da Nature reúne cientistas de várias áreas, o que mostra a diversidade de avanços registrados no ano. Entre eles estão:

  • Mengran Du (China): responsável por explorar ecossistemas inéditos nas profundezas oceânicas.

  • Yifat Merbl (Israel): descobriu uma nova função dos proteassomas no combate a infecções.

  • Sarah Tabrizi (Reino Unido): liderou um tratamento capaz de reescrever o DNA de um bebê com doença genética rara.

  • KJ Muldoon (EUA): registrou o primeiro caso de cura por edição genética.

  • Liang Wenfeng (China): criou o modelo de linguagem DeepSeek.

  • Precious Matsoso (África do Sul): atuou na construção do primeiro tratado mundial de preparação para pandemias.

  • Susan Monarez (EUA): tornou-se símbolo de integridade científica ao resistir a pressões políticas.

A presença de um brasileiro na lista reforça, portanto, o potencial da ciência nacional e destaca como iniciativas desenvolvidas no país podem influenciar políticas de saúde pública em escala global.

Fonte: G1