Ijeoma Uchegbu, cientista nigeriana, sorri em ambiente acadêmico, simbolizando superação feminina e avanço da ciência no Reino Unido.
Da pobreza em Londres à liderança mundial na nanociência, a nigeriana Ijeoma Uchegbu superou a adversidade e se tornou uma das cientistas mais respeitadas do Reino Unido.

Infância marcada por rupturas

Eles a chamaram de Ijeoma, nome que significa “tenha uma boa viagem”. O significado refletia o desejo dos pais de que tudo desse certo na nova vida da família, que havia deixado a Nigéria rumo ao Reino Unido, onde Ijeoma cresceria antes de se tornar uma mulher em abrigo e posteriormente cientista.

Naquele período, seus pais estudavam em Londres — a mãe cursava economia e o pai, engenharia elétrica. Por isso, deixaram a filha pequena sob os cuidados de uma família temporária.

‘Chegando do hospital após o meu nascimento (minha mãe tem as mãos nos bolsos e sou carregada nos braços por uma mulher que mais tarde se tornaria minha madrinha)’

Quando Ijeoma foi finalmente buscada, descobriu que a mulher com quem vivia era, na verdade, sua madrasta. “Foi a primeira vez que percebi que havia outra mãe por aí”, relembra. A descoberta, portanto, marcou profundamente sua infância e moldou sua forma de enxergar o mundo.

Entre duas mães e duas culturas

Aos 13 anos, Ijeoma conheceu sua mãe biológica. “Ela estava muito feliz, mas também nervosa. Tive medo de abraçá-la. Para mim, era uma estranha”, contou.

O reencontro, porém, trouxe novos desafios. Agora, ela vivia com seis irmãos e precisava se adaptar a uma nova rotina familiar. Além disso, a convivência exigia equilíbrio entre duas culturas — uma britânica, outra nigeriana.

Ijeoma Uchegbu brinca com as irmãs adotivas em Kent, na Inglaterra

Na escola, enfrentou o preconceito e o choque cultural. “Parecia uma vítima de queimaduras. Falava diferente, e diziam que só eu via as coisas erradas”, lembrou em entrevista à BBC.

Mesmo assim, Ijeoma decidiu não se deixar abater. Refugiou-se nos estudos e descobriu nas ciências e na matemática uma forma de compreender e transformar o mundo ao seu redor. A partir daí, a curiosidade científica se tornaria seu caminho para a liberdade.

Do abrigo ao amor

Aos 16 anos, ingressou na universidade para estudar Farmácia. Pouco tempo depois, casou-se e teve três filhas. A mulher, que enfrentaria diversos desafios, entre eles tempo em abrigo, seguiu adiante para se tornar uma cientista.

Um dos poucos dias que passou com a mãe biológica

“Fiquei por sete meses em um abrigo com minhas três filhas. Onze famílias dividiam um único banheiro”, relembra. Apesar das dificuldades, Ijeoma manteve a determinação. Assim, decidiu buscar um doutorado e mergulhou em uma área quase desconhecida: as partículas minúsculas capazes de transportar medicamentos — o que mais tarde seria reconhecido como nanotecnologia.

Durante esse período, participou de uma conferência científica e conheceu o dentista alemão Andreas Schätzlein. “Tivemos algumas conversas e, depois de quatro dias, estávamos perdidamente apaixonados.” Consequentemente, o encontro marcou o início de uma parceria pessoal e científica que mudaria o rumo da medicina moderna.

O enorme no diminuto

Ijeoma estudou Farmácia na Universidade de Benin, na Nigéria

Juntos, o casal desenvolveu nanopartículas capazes de levar medicamentos diretamente ao local da doença, reduzindo efeitos colaterais e aumentando a eficácia dos tratamentos.

“Quando você toma um remédio, ele alcança todos os órgãos, até os que não precisam. As nanopartículas resolvem isso”, explica Ijeoma.

Com isso, a pesquisa abriu novas perspectivas para o tratamento de doenças graves, como câncer, dores crônicas e dependência de opioides. Por consequência, a nanotecnologia passou a ser vista como um divisor de águas na medicina.

Segundo a cientista, “esperamos transformar o futuro da medicina com essa tecnologia”. Dessa forma, Ijeoma consolidou seu papel como uma das pioneiras da nanociência farmacêutica.

Entre riscos e revoluções

Ijeoma Uchegbu dedicou a carreira ao estudo da nanociência farmacêutica, é defensora da igualdade racial e também revela talento para a comédia

Atualmente, Ijeoma Uchegbu é professora de Nanociência Farmacêutica na University College de Londres (UCL) e presidente do Wolfson College, da Universidade de Cambridge. Ela se tornou uma das cientistas negras mais respeitadas do Reino Unido, sua jornada de uma mulher que esteve em um abrigo se tornando uma cientista notável.

Além da pesquisa, Ijeoma descobriu uma forma criativa de ensinar. “Percebi que, quando eu fazia piadas, os alunos prestavam mais atenção. Fiz um curso de comédia e comecei a usar isso nas minhas palestras.”

Com isso, uniu humor e ciência, aproximando o público de temas complexos. Enquanto isso, continuou a lutar pela diversidade, pela igualdade racial e pela presença de mulheres na ciência. Sua trajetória, a de uma mulher em abrigo que virou cientista, mostra que a inteligência, aliada à coragem, pode transformar a dor em propósito.

Impacto e legado

Com o tempo, Ijeoma Uchegbu tornou-se uma voz influente pela inclusão e diversidade na academia. Por meio de sua liderança, ela participa de programas que incentivam minorias a ingressar nas ciências e remove barreiras raciais ainda existentes.

“Uma mulher me disse chorando: ‘Tenho uma deficiência e quero agradecer por tirar os nomes de eugenistas dos prédios’. Isso me tocou profundamente”, contou.

Hoje, ela resume sua jornada com simplicidade:

“Se você seguir sua paixão e fizer o que realmente gosta, ficará bem.”

Portanto, sua história é uma lição sobre resiliência e fé no conhecimento. Em síntese, Ijeoma Uchegbu prova que a ciência pode florescer mesmo em meio à escassez e que a determinação feminina tem o poder de mudar o mundo.

Fonte: BBC Brasil