Smartphone com ícones de redes sociais censurados e título “As palavras proibidas na internet” sobre fundo tecnológico.
Capa ilustrativa mostra ícones de redes sociais com tarjas de censura para representar o impacto dos algoritmos sobre o que pode ser dito online.

A linguagem que nasceu para escapar dos algoritmos

As redes sociais moldaram a forma como a informação circula no mundo digital. Ao mesmo tempo, elas criaram um ambiente em que milhões de usuários acreditam precisar evitar palavras, códigos e expressões para não sofrer restrições de alcance impostas por sistemas automatizados de recomendação. Esse comportamento, conhecido como algospeak, se espalhou com força nos últimos anos.

Plataformas como TikTok, Instagram, YouTube e outras afirmam que não há listas secretas de termos proibidos. No entanto, relatos de criadores de conteúdo mostram um cenário mais complexo, no qual a ambiguidade das regras e a falta de transparência alimentam a sensação de censura invisível.

Quando criadores mudam sua linguagem para sobreviver nos feeds

Para muitos influenciadores, essa lógica virou rotina. O criador Alex Pearlman, que acumula milhões de seguidores, relata que evita até mencionar o YouTube em vídeos publicados no TikTok. Segundo ele, postagens que convidam usuários a visitar plataformas concorrentes costumam ter desempenho muito inferior. Embora o TikTok negue esse tipo de moderação, Pearlman afirma que análises internas de estatísticas deixam o padrão evidente.

O caso mais marcante envolveu vídeos sobre Jeffrey Epstein, figura central de um dos escândalos mais discutidos da última década. Em um único dia, conteúdos de Pearlman sobre o tema foram removidos sem explicação clara. Para continuar debatendo o assunto, ele passou a usar códigos — chamando Epstein de “Homem da Ilha”, por exemplo — estratégia também adotada por outros criadores.

Pesquisadores apontam que a falta de clareza reforça teorias e comportamentos de autocensura, ampliando a ideia de que os algoritmos punem certos termos e temas. Investigações independentes mostram que redes sociais já suprimiram conteúdos políticos ou sensíveis em diversos momentos. Vazamentos publicados entre 2019 e 2023 revelaram políticas internas do TikTok para reduzir a visibilidade de usuários considerados “não atraentes”, bem como transmissões classificadas como controversas.

O “festival de música” que denunciou o medo da censura

O fenômeno vai além de palavras isoladas. A cultura do algospeak agora influencia como usuários narram protestos, mobilizações e temas sociais. Em 2025, vídeos sobre manifestações nos Estados Unidos viralizaram ao usar o termo “festival de música” para driblar suposta censura. Não havia confirmação de que as plataformas estavam restringindo esse conteúdo, mas a prática se espalhou rapidamente.

Especialistas chamam essa reação de “imaginário algorítmico”: a crença, fundamentada ou não, de que determinadas ações são necessárias para evitar punições do sistema. Esse comportamento coletivo pode, inclusive, reforçar as próprias tendências algorítmicas.

O papel das plataformas e o peso das decisões invisíveis

Apesar das críticas, as plataformas sustentam que seu objetivo é equilibrar liberdade de expressão, segurança e boas práticas para anunciantes. Contudo, estudiosos apontam que decisões de moderação costumam ser guiadas por interesses comerciais, o que torna o ambiente ainda mais nebuloso para usuários.

Para Sarah T. Roberts, pesquisadora da Universidade da Califórnia (UCLA), entender esse processo exige observar não apenas o conteúdo removido, mas o modelo econômico que sustenta as redes sociais. “Toda decisão de algoritmo e moderação passa pelo lucro”, afirma. Ela alerta que, em um espaço dominado por grandes empresas, a sociedade precisa refletir sobre como deseja se expressar — e sob quais regras invisíveis está disposta a aceitar.

A reinvenção da linguagem no mundo digital

Enquanto isso, usuários continuam reinventando códigos, símbolos e metáforas para evitar que suas mensagens desapareçam na imensidão dos feeds. E, mesmo que as plataformas neguem qualquer censura automática baseada em palavras, o fato é que milhões de pessoas já adaptaram sua linguagem digital para sobreviver dentro do jogo dos algoritmos.

Fonte: BBC Brasil