Por que o mundo deveria viver como o Uruguai para frear a exploração dos recursos do planeta

País sul-americano transforma sua matriz energética, reduz a pressão sobre os recursos naturais e se torna referência mundial em sustentabilidade.

0
1068

O alerta que revela o limite dos recursos do planeta

O avanço das mudanças climáticas, da perda de biodiversidade e da pressão crescente sobre florestas e solos tem uma origem comum, segundo especialistas: o ritmo acelerado de consumo de recursos naturais. Para o engenheiro suíço Mathis Wackernagel, criador do conceito de pegada ecológica, o problema central não é apenas o aquecimento global, mas a incapacidade da humanidade de viver dentro dos limites do planeta. Uruguai exemplo global de sustentabilidade, é frequentemente citado como modelo de ações efetivas. Além disso, ele destaca que a atual pressão sobre os ecossistemas compromete diretamente a capacidade de regeneração da Terra.

Engenheiro suíço Mathis Wackernagel desenvolveu o conceito de ‘pegada ecológica’ nos anos 1990

A análise de Wackernagel mostra que o uso atual de recursos exige o equivalente a 1,8 planeta Terra para sustentar o estilo de vida médio global. “Estamos consumindo muito mais do que a capacidade de regeneração dos ecossistemas”, alerta.
Por isso, ele reforça que a humanidade já opera em déficit ecológico permanente.

Essa relação é medida todos os anos pelo Dia da Sobrecarga da Terra, data em que a demanda humana supera tudo o que o planeta consegue renovar no período de 12 meses. Em 2025, essa marca foi atingida em 24 de julho, três meses mais cedo do que há duas décadas.
Dessa forma, fica evidente que a tendência é insustentável.

Ainda assim, existem exemplos positivos — e um deles vem da América do Sul. O Uruguai, embora seja um país pequeno, demonstra que a combinação de planejamento, acordo político e inovação pode mudar cenários complexos, servindo como exemplo global de sustentabilidade.

Uruguai vira referência global em uso sustentável de recursos

O Dia da Sobrecarga da Terra adiantou três meses nas últimas duas décadas

Entre mais de 80 países analisados pela Global Footprint Network, o Uruguai aparece como o modelo mais próximo de equilíbrio. Se toda a população mundial vivesse como os uruguaios, o Dia da Sobrecarga cairia em 17 de dezembro, uma diferença significativa em relação às principais economias do mundo.
Além disso, o país mostra que é possível crescer sem ampliar a pressão sobre os recursos naturais.

O desempenho tem relação direta com a transformação radical da matriz energética uruguaia, iniciada há pouco mais de uma década. Hoje, 99,1% da eletricidade gerada no país vem de fontes renováveis, entre hidráulica, eólica, solar e biomassa.
Portanto, o país se tornou um exemplo concreto de transição energética acelerada, considerando-se como um Uruguai exemplo global de sustentabilidade.

Como o país fez essa virada energética

Físico Ramón Méndez Galain foi o arquiteto da transformação radical ocorrida na matriz elétrica uruguaia

A mudança começou em 2008, quando o país enfrentou uma crise de abastecimento e decidiu reestruturar todo o sistema elétrico. De acordo com Ramón Méndez Galain, físico e ex-diretor nacional de energia, três pilares tornaram a mudança possível e garantiram continuidade ao projeto.

1. Acordo político de longo prazo

Em 2010, todos os partidos firmaram um compromisso para orientar a transição pelos 25 anos seguintes. Cinco governos consecutivos mantiveram a mesma política energética.
Assim, o país conseguiu evitar retrocessos e disputas típicas de mudanças de governo.

2. Liderança estatal com participação privada

Embora a UTE, empresa pública de energia, controle a distribuição, a maior parte dos investimentos veio do setor privado — cerca de US$ 6 bilhões, o equivalente a 12% do PIB da época. As empresas passaram a vender energia para a estatal, com contratos garantidos por 20 anos.
Contudo, o Estado manteve o comando estratégico da transição.

3. Reformas regulatórias e criação de um ecossistema inovador

O país revisou regras, abriu espaço para novos modelos de geração, criou carreiras universitárias e fortaleceu centros de pesquisa para sustentar a migração para as renováveis.
Dessa maneira, o Uruguai reduziu barreiras estruturais e acelerou a expansão das fontes limpas, uma verdadeira inspiração de um Uruguai globalmente sustentável.

O resultado é visível: as tarifas caíram, a dependência de combustíveis fósseis diminuiu, foram criados 50 mil empregos e o Uruguai passou a exportar eletricidade para países vizinhos.
Além disso, a geração se tornou mais estável e menos vulnerável a crises internacionais.

A importância da biocapacidade

‘Entre 1° de janeiro e 24 de julho, consumimos tudo o que a Terra pode regenerar em todo o ano’

Wackernagel reforça que o fator-chave para o futuro não será apenas tecnologia ou finanças, mas a capacidade real dos ecossistemas de regenerar recursos — a chamada biocapacidade. Países com grande área natural preservada, como os da América do Sul, tendem a ter vantagem.
Ainda assim, ele afirma que a biocapacidade continua subvalorizada nos mercados atuais.

Entretanto, o especialista alerta que a humanidade segue consumindo o futuro para sustentar o presente. “Estamos praticando uma espécie de pirâmide com os recursos naturais”, afirma.
Por outro lado, ele destaca que ainda há tempo para corrigir o rumo.

Um futuro inevitavelmente regenerativo

Para Wackernagel, o mundo não precisa esperar por acordos climáticos perfeitos para agir. Soluções locais, como a do Uruguai considerado um exemplo global de sustentabilidade, mostram que mudanças estruturais são possíveis mesmo em países pequenos e com recursos limitados.
Enquanto isso, a demanda global por recursos cresce, o que torna ainda mais urgente a adoção de modelos sustentáveis.

“Não temos um problema comum — temos um contexto comum. E depende de como cada país vai se preparar para o futuro”, resume. Segundo ele, a equação é clara:
“O futuro será regenerativo, ou não haverá futuro.”

Fonte: BBC Brasil