CPI das Bets propõe leis para controlar o mercado das apostas
CPI das Bets propõe leis para controlar o mercado das apostas

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Bets, instalada no Senado Federal, identificou indícios de lavagem de dinheiro, evasão fiscal, formação de organização criminosa e manipulação algorítmica com possível fraude de resultados. Essas acusações aparecem ao longo das 541 páginas do relatório final, apresentado nesta terça-feira (10) pela relatora, senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS).

Além das suspeitas de crimes, a CPI apontou que os jogos de apostas online, amplamente difundidos no Brasil e atualmente financiadores do futebol profissional, estão reduzindo o consumo das famílias. Especialmente entre as mais pobres, muitos lares têm deixado de comprar no comércio para sustentar hábitos de jogo, o que prejudica diretamente a economia.

Regras mais rígidas e propostas para conter os danos

O relatório propõe uma série de ações para enfrentar o problema:

  • Criação de uma entidade nacional independente para regulamentar as apostas;

  • Cadastro nacional de jogadores;

  • Restrições mais severas à publicidade das bets;

  • Responsabilização de influenciadores que promovem apostas de forma enganosa.

Segundo estimativas da própria CPI, as bets movimentaram entre R$ 89 bilhões e R$ 129 bilhões apenas em 2024. Para efeito de comparação, o orçamento do Ministério da Educação (MEC) para 2025 está previsto em R$ 187,2 bilhões.

“Com crescimento de 1.300% desde 2018, parece-nos que é o melhor negócio do país neste momento. O consumo das famílias caiu e empregos da economia real desapareceram, tudo isso para beneficiar o lucro de poucos”, disse Soraya.

Indiciamento de influenciadores e empresas

O documento pede o indiciamento de 16 pessoas físicas ou jurídicas, incluindo as influenciadoras Virgínia Fonseca e Deolane Bezerra, pelos crimes de lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, estelionato, corrupção e formação de organização criminosa.

A votação do parecer, no entanto, foi adiada após pedido de vista coletiva dos senadores. Apesar disso, o relatório já mobiliza discussões no Senado e entre representantes do Executivo.

Jogos virtuais e manipulação algorítmica

Conforme a CPI, os jogos de azar online mais lesivos são os totalmente virtuais, como os populares “tigrinho”, “ratinho” e “cobrinha”. Esses jogos não se baseiam em esportes reais, e seus algoritmos são impossíveis de auditar. Portanto, há forte possibilidade de manipulação de resultados.

“Esses jogos são totalmente controlados por softwares. Não envolvem sorte, eventos reais ou elementos externos. Isso facilita fraudes e lavagem de dinheiro”, explicou a relatora.

Diante disso, Soraya defende a proibição completa desse tipo de jogo.

Lavagem de dinheiro facilitada pelas plataformas

A relatora destacou que as apostas online se tornaram um meio eficaz para legalizar recursos ilícitos. Muitas vezes, organizações criminosas abrem empresas de fachada, muitas delas no exterior, e movimentam bilhões com baixa fiscalização.

“Várias entidades exploraram brechas regulatórias e tecnológicas para movimentar valores, dificultar rastreamentos e facilitar a evasão de divisas em larga escala”, afirma o texto.

Apostas drenam recursos das famílias e do comércio

O relatório também apresenta um diagnóstico social preocupante. Milhões de brasileiros, especialmente das classes C, D e E, estão deixando de comprar alimentos, roupas e remédios para apostar.

Um estudo do Banco Central mostrou que 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões em apostas apenas em 2024, comprometendo diretamente a própria subsistência e a de seus dependentes.

Dados da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) revelam:

  • 23% dos apostadores deixaram de comprar roupas;

  • 19% deixaram de comprar itens de supermercado;

  • 19% cancelaram viagens.

Além disso, uma pesquisa do Instituto Locomotiva aponta que muitos redirecionaram dinheiro das seguintes áreas para as apostas:

  • 52% da poupança;

  • 48% de bares, restaurantes e delivery;

  • 43% de roupas e acessórios;

  • 41% de cultura e entretenimento.

Influenciadores digitais na mira da CPI

O relatório denuncia a atuação de influenciadores digitais na promoção das bets, inclusive com parcerias comerciais diretas com casas de apostas irregulares.

“Alguns influenciadores se tornaram sócios das plataformas e fazem propagandas abusivas, vendendo apostas como se fossem investimento seguro. O público inclui, inclusive, crianças e adolescentes”, alertou Soraya.

A CPI recomenda punições severas para influenciadores que promovem apostas de forma enganosa ou dirigida a menores de idade.

Medidas propostas pela CPI das Bets

Entre as recomendações da CPI ao Executivo, ao Banco Central e ao Congresso Nacional, estão:

  • Criação da Plataforma Nacional de Auditoria e Monitoramento de Jogos de Azar (PNAMJA);

  • Proibição de jogos online não auditáveis, como o “tigrinho”;

  • Regulação mais rigorosa da publicidade, com vedação a menores de 18 anos;

  • Campanhas educativas sobre os riscos do jogo patológico.

“Os anúncios não podem sugerir que apostas resolvem problemas financeiros ou emocionais, tampouco apresentá-las como alternativa ao emprego ou método para recuperar perdas anteriores”, concluiu Soraya.

Origem das apostas no Brasil e falhas na regulação

Por fim, o relatório lembra que as bets foram introduzidas no Brasil pela Lei 13.690/2018, durante o governo Michel Temer, com o argumento de gerar receitas para o então Ministério da Segurança Pública. No entanto, a regulamentação só ocorreu em 2023, e de forma ainda ineficiente.

“Empresas operaram sem fiscalização, sem pagar impostos e deixaram para o país apenas um rastro de vício, ruína financeira e práticas criminosas”, afirmou a relatora.