ONG contratada pelo RJ pagou empresa suspeita de repassar propina a Castro

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Uma ONG com contratos com o governo do Rio de Janeiro fez ao menos dois pagamentos à empresa Servlog Rio, suspeita de pagar propina ao governador Cláudio Castro (PL). Os repasses à empresa são um indício de que, mesmo após o dono ter sido preso duas vezes, a Servlog Rio continuou a receber do governo fluminense, mas de forma indireta.

O que aconteceu

Extratos bancários do Instituto Positiva Social —que já recebeu do governo fluminense pagamentos em contratos da ordem de R$ 450 milhões— mostram os repasses para a Servlog Rio. Atualmente, a empresa se chama Star Five Serviços Especializados. Os documentos foram localizados pelo UOL no sistema de processos administrativos do governo do RJ.

Os dois pagamentos, de R$ 26,8 mil cada, foram realizados no ano passado, após o dono da empresa, Flávio Chadud, já ter sido preso duas vezes sob a acusação de desvios de recursos públicos de projetos sociais do governo estadual e da Prefeitura do Rio.

Uma das transferências do instituto para a empresa de Flávio Chadud ocorreu em 15 de fevereiro de 2022, mesma data em que a ONG recebeu depósito de R$ 200 mil do governo estadual. O outro pagamento ocorreu em 8 de setembro do ano passado.

Flávio Chadud é suspeito de ter pagado propina a Cláudio Castro em 2019, na véspera da primeira fase da Operação Catarata, do MP-RJ (Ministério Público do RJ), que apontou suspeitas de desvios de recursos em projetos sociais da Fundação Leão 13, do governo estadual.

Imagens divulgadas pela GloboNews, em 2020, mostram Castro deixando a sede da Servlog Rio, no centro do Rio, com uma mochila nas costas em julho de 2019. À época, ele era vice-governador. Dois delatores dizem que havia propina na mochila, entre eles, um ex-assessor de Castro, conforme delação à qual o UOL teve acesso. O governador nega.

Procurada, a defesa de Chadud afirmou que “a Star Five não possui contratos com a administração pública desde o ano de 2019 e que as acusações ajuizadas [contra o empresário] são fantasiosas e estão sendo defendidas com documentos na Justiça”.

O governo do RJ afirmou, em nota, que “não tem responsabilidade pelos pagamentos realizados pelas ONGs às empresas subcontratadas. A responsabilidade, de acordo com a legislação em vigor, é das próprias ONGs”. “Importante destacar que o estado não tem contratos com a empresa Star Five e suspendeu, em 2020, os serviços prestados pela Servlog Rio”, concluiu.

O Instituto Positiva Social foi procurado por email e telefone, mas não houve retorno até a publicação desta reportagem.

O STJ (Superior Tribunal de Justiça) determinou na última quarta (20) a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telemático do governador no âmbito das investigações que envolvem o suposto recebimento de propina. Nesta semana, o irmão de criação de Castro, Vinícius Rocha, foi alvo de um mandado de busca e apreensão.

Pagamentos diretos suspensos

Os pagamentos do Instituto Positiva Social para a Servlog Rio apareceram em extratos bancários enviados pela ONG a equipes de fiscalização das secretarias estaduais de Saúde e de Direitos Humanos do governo estadual. Não é possível saber, contudo, o tipo de serviço que foi prestado pela empresa de Flávio Chadud.

Nos últimos anos, o instituto acumula contratos com a Secretaria de Educação. Na saúde, é a responsável pela administração de uma das principais emergências da capital, o Hospital Getúlio Vargas.

A Servlog Rio faturou alto no governo fluminense, principalmente com um projeto chamado Novo Olhar, de exames oftalmológicos e entregas de óculos, que foi um dos principais focos de duas operações do MP-RJ e também está na mira da Polícia Federal por causa das suspeitas de participação de Cláudio Castro no desvio de recursos públicos.

Somente entre 2017 e 2019, a empresa recebeu R$ 53 milhões da Fundação Leão 13. Os últimos pagamentos (total de R$ 287 mil) aconteceram em 29 de julho de 2019. No dia seguinte, aconteceu a primeira etapa da operação do MP-RJ contra os supostos desvios.

O UOL não identificou novos contratos diretos da Servlog Rio com o governo do Rio ou com entes públicos.

A reportagem também não localizou nenhuma punição à Servlog Rio por parte da gestão de Cláudio Castro, apesar de a operação do MP ter contado com o apoio da CGE (Controladoria Geral do Estado), órgão do governo fluminense. Questionado, o governo não comentou.

A Servlog Rio tampouco consta no cadastro nacional de empresas inidôneas —isto é, que não podem ser contratadas pela administração pública.

Fundação não viu desvios

O dono da Servlog Rio, Flávio Chadud, responde em liberdade a ação penal que trata de crimes como lavagem de dinheiro, fraudes licitatórias, organização criminosa e corrupção ativa e passiva.

A empresa dele, por sua vez, também é investigada pelo TCE (Tribunal de Contas do Estado do Rio) por suspeitas de desvios de recursos da Fundação Leão 13.

Em 2020, o TCE determinou que a fundação calculasse o prejuízo dos contratos com a Servlog. Esse tipo de medida –chamado de tomada de contas– ocorre quando o tribunal quer especificar o tamanho do dano após já ter indícios suficientes de irregularidades.

No entanto, no ano passado, relatório da Fundação Leão 13 não detectou nenhum problema.

Basicamente, a apuração se concentrou em entrar em contato de novo com pessoas que haviam informado a técnicos do TCE não terem participado de eventos do projeto Novo Olhar, apesar de constarem em listas de presença do projeto. Desta vez, elas mudaram a versão, dizendo que estavam nos eventos do Novo Olhar.

“Todos os elementos objetivos deste processo indicam a inexistência de dano à administração pública, na forma minuciosamente apontada pelo relatório da Tomada de Contas Especial, que se encontra devidamente ratificado pela manifestação da auditoria interna desta Fundação”, afirmou à época o presidente da Leão, Gerson dos Anjos Júnior, em documento enviado ao TCE.

Apesar do posicionamento da fundação, o tribunal segue com as investigações, em fase de ouvir a defesa de representantes da Fundação Leão 13 na época dos supostos desvios.

Outra empresa investigada pelo TCE é a Rio Mix, que realizou projetos semelhantes e pertencia a Marcus Vinícius Azevedo da Silva, ex-assessor de Cláudio Castro, quando ele era vereador na Câmara do Rio.

Marcus Vinícius assinou acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal que está sob sigilo.

No ano passado, o UOL revelou que, em depoimento ao MP do Rio, ele afirmou que Castro recebeu propina enquanto era vereador e vice-governador. As informações foram encaminhadas ao STJ, onde tramitam as investigações contra o governador.

Em um dos casos, segundo Marcus Vinícius, Castro teria recebido US$ 20 mil em propina durante uma viagem para Orlando, na Flórida, com a família.

O ex-assessor também disse que o governador carregava R$ 120 mil em propina dentro da mochila que aparece nas imagens em que ele sai da sede da empresa Servlog.

À época, Castro disse que “no Rio de Janeiro há uma indústria de delações feitas por criminosos que querem se livrar da cadeia e acusam autoridades de forma leviana”.