Senadores incham gabinetes e contratam até 82 assessores sem concurso público

Especialistas afirmam que estratégia compromete eficiência do trabalho e acendem alerta para uso do recurso público. Ao 'Estadão', o Senado disse que distribuição de cargos de livre nomeação fica a cargo de cada parlamentar

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Após três mandatos como deputado federal, Eduardo Gomes (PL-TO) começou seu mandato de senador em 2019 com 54 servidores comissionados (sem concurso público). Em quatro anos, aumentou o gabinete para 82 assessores. Gomes emprega tanto quanto uma empresa de porte médio no ramo de serviços. Segundo o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), uma empresa média tem de 50 a 99 funcionários. O número de funcionário não corresponde a atuação legislativa: em 2023, o senador apresentou três projetos de lei.

O “inchaço” do gabinete é permitido por “brechas” nas regras do Senado, que possibilitam a multiplicação de cargos. Levantamento do Estadão identificou que outros 12 senadores também tem mais de 50 assessores pagos com dinheiro público. É o caso, por exemplo, de Rogério Carvalho (PT-SE) e Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), com 77 e 67 comissionados, respectivamente. Os parlamentares dizem que precisam dos funcionários para o trabalho legislativo, mas o fato é que os postos acabam servindo para nomeação de aliados e cabos eleitorais.

O regulamento administrativo do Senado estabelece o limite de 12 comissionados por senador, mas permite um rearranjo que pode levar o gabinete a ter 50 assessores. Se o parlamentar assumir outras funções na Casa, como presidência de comissão, liderança de partido ou cargo na Mesa Diretora tem o direito de fazer mais nomeações e multiplicá-las. O presidente do Senado, por exemplo, pode ter até 260 comissionados, se quiser. Rodrigo Pacheco (PSD-MG) tem 36 assessores.

A “brecha” no regulamento não obriga que todos os senadores rearranjem a equipe em cargos menores. Caso o parlamentar opte por essa mudança, ele precisa fazer com que o valor total dos salários seja o mesmo, independentemente da quantidade de funcionários. Com isso, ele consegue empregar mais gente, mas com salários menores. Os gastos com vale-alimentação desses novos assessores não são considerados nesse limite, o que resulta em despesa extra para o Senado.

O senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP) possui 67 assessores comissionados. Além dos servidores que auxiliam no gabinete, o parlamentar tem direito a mais funcionários por ser líder do governo no Congresso, vice-líder no Senado e líder de bloco partidário.

O gabinete do senador Omar Aziz (PSD-AM) possui 64 servidores comissionados. Ele é presidente da Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor e vice-líder do PSD na Casa, o que lhe garante a possibilidade de requisitar mais servidores.

Em nota, Carvalho afirmou que possui 47 servidores comissionados lotados em escritório de apoio e 30 no gabinete e na Primeira-Secretaria. Segundo a assessoria do parlamentar, o cargo na Mesa Diretora “demanda maior número de servidores tanto concursados como comissionados”. A nota também afirma que, mesmo lotados na Primeira-Secretaria, os servidores têm exercício no gabinete devido, principalmente, “por conveniência técnica de acesso a sistemas restritos a cada gabinete”.

O Estadão entrou em contato com todos os parlamentares citados para entender o motivo da elevada quantidade de servidores e quais as funções por eles empenhadas. Os outros senadores não retornaram até a publicação deste texto.

Eficiência do trabalho comprometida
O professor adjunto do Departamento de Gestão Pública da FGV EAESP Cláudio Couto afirma que, a partir do momento que um senador pulveriza os recursos para multiplicar a quantidade de servidores, a eficiência do trabalho diminui. “No fim, o gabinete vai ter muita gente fazendo um trabalho de baixa qualificação, em vez de priorizar o que são funções efetivamente relevantes para o exercício parlamentar”, afirmou.

O “inchaço” nos gabinetes também dificulta o controle do exercício das funções, o que abre margem para a possibilidade de informalidades no uso do dinheiro público, como explica o cientista político Rafael Cortez.

“A gestão de um maior número de pessoas é mais difícil, e mais difícil do que isso é fazer a gestão dos recursos dessa assessoria. Isso não significa necessariamente que há uma prática ilegal, mas é um possível convite a ser mais ineficiente no uso desse recurso. A partir dessa pulverização também se ampliam as estratégias para o parlamentar, eventualmente, fazer uso ilegal dos recursos como já vimos na prática de ‘rachadinhas’, por exemplo.”

‘Brechas’ na lei
Segundo o Regulamento Administrativo do Senado Federal, cada parlamentar tem, a princípio, 12 cargos de comissão para preencher e um teto limite para gastar em contratações – R$ 240.803,04 por mês. Entretanto, o documento permite que os senadores façam rearranjos nessas contratações iniciais para aumentar a quantidade de servidores. Eles precisam seguir duas regras: a soma das remunerações dos cargos derivados não pode exceder o valor mensal e o número máximo de servidores comissionados de cada gabinete parlamentar não deve ultrapassar 50 pessoas.

Os senadores ainda podem expandir os números de assessores à disposição do mandato caso o parlamentar assuma outros cargos na Casa, como uma função na Mesa Diretora, liderança partidária ou presidência de comissão. Por exemplo, o presidente de uma comissão permanente tem direito a ter mais três assessores parlamentares, que pode ser desmembrado em até 30 cargos de menor função. Esses novos servidores são adicionados no quadro de funcionários como uma “quantidade extra”, além daquela citada anteriormente cujo limite é de 50 pessoas.

O cientista político Rafael Cortez explica que a quantidade de servidores de um gabinete pode ajudar a entender como o parlamentar pretende exercer o seu mandato: na produção de política pública ou na representação. “O senador pega o volume de recursos destinados à contratação de pessoal e, ao invés de diminuir o número de pessoas para trazer especialistas de peso para determinadas áreas, o que custa caro, o parlamentar prefere partilhar esse valor entre mais pessoas, com o salário menor, para ampliar essa dimensão política do mandato”, disse.

Assim, o senador amplia os pontos de contato que pode ter com a população por meio, por exemplo, de um assessor em uma cidade de grande colégio eleitoral. “Assim, esse número alto de assessores pode traduzir essa opção do parlamentar de usar o mandato parlamentar como plataforma para construção política eleitoral”, afirmou Cortez.

Ao Estadão, o Senado afirmou que a distribuição de comissionados fica a cargo do parlamentar. “Cabe ressaltar que há fiscalização quanto ao número de servidores comissionados nos gabinetes parlamentares”, disse, por nota.

A Casa ainda afirmou que os recursos provenientes para os pagamentos dos servidores se originam nas dotações orçamentárias anuais autorizadas para o Legislativo no Orçamento da União.

Falta de transparência
O Portal de Transparência do Senado não diferencia quais servidores estão em funções do próprio gabinete e quais prestam serviço a um senador em outra estrutura, como Mesa Diretora ou comissão. Na base de dados dos funcionários da Casa, há apenas duas classificações quanto à lotação: “gabinete” ou “escritório de apoio”.

Essa ausência de detalhamento impede que o cidadão acompanhe as contratações em gabinete para entender se os senadores estão respeitando, por exemplo, a regra de, no máximo, 50 servidores em cargo de comissão.

Questionado sobre a falta de descrição sobre a divisão dos cargos, o Senado afirmou que “o site da transparência informa os servidores que estão efetivamente trabalhando à disposição de cada gabinete de senador, o que, no entendimento da Casa, traz maior transparência às informações relevantes ao interesse público”.