Brasil critica sanções à Rússia e envio de armas, mas apoia EUA na ONU.

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Reunião entre o presidente Jair Bolsonaro e o presidente russo Vladimir Putin em Moscou, na Rússia Imagem: Oficial Kremlin/PR

Pela primeira vez em décadas, de forma extraordinária e aumentando a pressão sobre Vladimir Putin, a Assembleia Geral da ONU é convocada para lidar com a crise na Ucrânia e denunciar a agressão russa.

Num voto neste domingo no Conselho de Segurança das Nações Unidas, uma proposta americana de pedir a realização da sessão extraordinária foi aprovada e com o apoio do Brasil.

Mas o Itamaraty usou a reunião para criticar sanções, o fornecimento de armas e alertar que certas medidas contra a Rússia podem inclusive gerar a fome. O governo de Jair Bolsonaro, que foi criticado por ter ido visitar Vladimir Putin, há duas semanas, também afirmou que teme que a resposta do Ocidente leve a um confronto direto entre Otan e Rússia.

A postura brasileira foi uma vez mais entendida por negociadores europeus como um exemplo da ginástica diplomática feita pelo governo Bolsonaro para seguir o direito internacional e, ao mesmo tempo, manter o diálogo com o Kremlin. Em nenhum momento desde o início da crise o governo lançou ataques ou condenou diretamente Putin por seus atos.

Em um discurso neste domingo, o embaixador do Brasil na ONU, Ronaldo Costa Filho, insistiu que as ameaças à paz, mortes sofrimento humano aumentaram nos últimos. Mas, segundo ele, o Itamaraty votou a favor do projeto americano apesar de ter dúvidas sobre o momento da aprovação da resolução e sua contribuição em atingir paz.

Para ele, o Conselho não exauriu seus instrumentos e defendeu que uma solução apenas pode ser “negociada e diplomática”.

Mas foi a crítica às sanções e envio de armas que mais chamaram a atenção internacional. O embaixador pediu que a comunidade internacional seja “cautelosa” nos próximos passos que dará. “O fornecimento de armas, ataques cibernéticos e aplicação de sanções seletivas, que podem atingir setores como fertilizantes e trigo, com forte risco de gerar a fome, podem exacerbar o conflito, e não resolve-lo”, alertou.

Para o Brasil, essas medidas aumentam o risco de uma confrontação direta entre a OTAN e Rússia. “É nosso dever reverter a escalada. Precisamos iniciar negociações”, defendeu.

Um dos temores do Brasil é de que, com a suspensão da Rússia do sistema financeiro internacional a partir das sanções americanas e europeias, o país viva um desabastecimento de fertilizantes. Os russos fornecem um quinto dos produtos que o Brasil necessita para sua agricultura.

A crítica brasileira também foi dirigida ao envio de armas, uma decisão adotada por governos europeus para ajudar a Ucrânia. Na Alemanha, a decisão do envio de ajuda foi a primeira desde a Segunda Guerra Mundial.

O embaixador ainda pediu o fim das hostilidades, respeito ao direito humanitário e a promoção de um processo de diálogo entre as partes. Lembrando que mais de 420 mil refugiados já cruzaram a fronteira, o governo brasileiro fez um apelo para que ucranianos e russos ajudem a evacuar todos aqueles que queiram sair. O governo também agradeceu aos países vizinhos que estão recebendo refugiados.

Neutralizar Rússia.

A medida aprovada na ONU serve para neutralizar o veto russo, já adotado na semana passada, e permitir que haja uma condenação internacional dos atos liderados por Putin. Desde 1950, uma convocação de emergência da Assembleia Geral por parte do Conselho de Segurança ocorreu em apenas dez ocasiões. Nos círculos diplomáticos, a manobra é o equivalente a reunir a comunidade global inteira para decidir sobre como reagir diante da ameaça anunciada pela Rússia.

Para que essa reunião extraordinária ocorresse, bastava um voto procedimental no Conselho de Segurança e o apoio de nove dos 15 países do órgão. Nenhum dos membros permanentes da instituição, portanto, teria o direito de vetar a resolução.

A convocação da Assembleia foi aprovada com o apoio de onze países, entre eles o Brasil, e três abstenções. A Rússia votou contra, mas sem a capacidade de vetar o projeto. A ideia é de que, agora, o órgão máximo da ONU se pronuncie, isolando ainda mais Putin.

A pressão não vai acabar. Além da Assembleia Geral, a França propôs uma nova reunião do Conselho de Segurança para submeter ao voto uma resolução que pedirá que seja garantido o acesso de itens humanitários para a população civil. No mesmo dia, os países nórdicos querem um encontro para debater a crise humanitária, numa ofensiva diplomática para isolar Moscou.

Com a votação deste domingo, americanos e seus aliados neutralizaram os russos. Na sexta-feira, o governo de Vladimir Putin exerceu seu direito ao veto e impediu a aprovação de uma resolução no Conselho de Segurança que condenava a invasão sobre a Ucrânia e pedia a retirada imediata das tropas russas. Na ONU, apenas russos, chineses, americanos, franceses e britânicos contam com o direito ao veto.

Na semana passada, o documento recebeu o apoio de 11 dos 15 países do Conselho, entre eles o voto do Brasil. O Itamaraty, com a decisão, tentou encerrar um debate interno sobre a postura que adotaria diante da guerra. Nos primeiros dias do conflito, o presidente Jair Bolsonaro evitou falar da crise e, mesmo depois do voto do Brasil, evitou citar o nome do presidente russo. Há uma semana, numa das viagens mais polêmicas da diplomacia presidencial brasileira, ele visitou Putin.

Já neste domingo, após a votação, o governo dos EUA alertou Putin de que não haveria veto da Rússia que poderia parar a ação internacional para isolar o Kremlin. Segundo a diplomacia americana, uma resolução será apresentada pedindo que a Rússia seja responsabilizada pela agressão.

Na visão dos EUA, a ameaça que russos fizeram de um recurso às armas nucleares revela que a crise é de interesse global. Os americanos ainda avisaram aos oficiais russos que seus atos estão sendo filmados e que evidências estão sendo coletadas para eventualmente levá-los à Justiça. “A Rússia precisa ser parada”, disse a delegação da Albânia, que também faz parte do Conselho da ONU.

“A Rússia está sozinha e não pode parar o mundo de se reunir para parar a guerra”, afirmou a delegação britânica.

Já a China optou por uma abstenção, alegando que era o momento de a ONU ajudar a reduzir a tensão e abrir caminho para o diálogo. O governo da Índia também se absteve, insistindo que a diplomacia é o único caminho para acabar com a guerra.