Mas atenção: ainda há tropas dentro da fortaleza do castelo. Trata-se das células de memória imunitária, os linfócitos B e T. Como cavaleiros, eles podem reunir as tropas, liderar a resposta imune e expulsar os invasores hostis.
“Há evidências boas de que anticorpos diminuem com o tempo, o que nos deixa com defeitos óbvios”, explica a professora Eleanor Riley, imunologista da Universidade de Edimburgo, na Escócia.
A deserção desses arqueiros-anticorpos de seus postos foi piorada pela emergência da variante Delta, que é mais contagiosa. Ela é simplesmente mais eficiente em entrar em nosso corpo – é como se fosse um novo exército se amontoando na muralha com armamento extra.

Talvez você tenha percebido as consequências disso por conta própria: algumas pessoas pegaram a covid-19 mesmo tendo recebido as vacinas.
A queda na imunidade com o passar do tempo é uma preocupação óbvia para governos tentando impedir o avanço do coronavírus.
Adam Finn, professor da Universidade de Bristol (Inglaterra) e conselheiro do governo britânico sobre vacinas, diz que tem aumentado o número de não vacinados e vacinados nos hospitais do Reino Unido.
Mas ressalta que “a proteção que (a pessoa vacinada) tem contra infecções leves diminui mais rapidamente, já a proteção contra ir ao hospital ou contra a morte diminui mais lentamente”.
O maior risco de hospitalização ou morte ainda se concentra nos idosos. A grande maioria das mortes em pessoas com duas doses de vacina ocorreu entre quem tinha mais de 70 anos.
Vale lembrar que as pessoas vacinadas desse grupo etário se mostraram bem mais resistentes do que os idosos que não puderam ou não quiseram ser vacinados. E, como fica claro, o risco de grupos etários mais jovens que foram duplamente vacinados segue sendo pequeno.
A passagem do tempo envelhece todas as células presentes em nosso corpo – incluindo as do sistema imune. O envelhecimento faz com que seja mais difícil treinar a imunidade com as vacinas, e também torna a reação do corpo mais difícil com a chegada da infecção.
“É possível que os idosos tivessem (uma boa) proteção inicialmente, mas agora esses anticorpos enfraqueceram e eles podem não ter a segunda linha de defesa”, conclui Eleanor Riley. “Pode ser por isso que estejamos vendo pessoas mais idosas e frágeis morrendo apesar de terem tomado duas doses.”
Tudo isso se soma ao fato de que o avanço da idade às vezes vem acompanhado de problemas de saúde. E, como o público idoso foi um dos primeiros a se vacinar contra a covid, houve mais tempo para que essa proteção diminuísse.
No Reino Unido, assim como no Brasil, os mais idosos e outros grupos já estão recebendo doses de reforço contra o coronavírus.
Pessoas com câncer, transplantadas ou com outros problemas que prejudicam o sistema imune têm um problema levemente diferente, uma vez que seu corpo não responde tão bem a vacinas.
“Os anticorpos deles diminuem a uma taxa similar à das pessoas saudáveis, mas eles obviamente começam em número menor”, afirma Helen Parry, da Universidade de Birmingham.
Vale ressaltar que, entre as vacinas Pfizer e AstraZeneca, há importantes diferenças. “Elas parecem ser boas em diferentes partes do sistema imunológico”, agrega Parry.

“As vacinas de mRNA (no caso, a da Pfizer) são muito potentes na formação de anticorpos; a da AstraZeneca é muito boa em gerar respostas de células T.”
De volta à metáfora do castelo, a vacina da Pfizer parece mais eficiente em proteger as muralhas externas com arqueiros, enquanto a da AstraZeneca é melhor na proteção interna.
A boa notícia é que, mesmo com a redução da imunidade, as vacinas disponíveis contra o coronavírus são excepcionalmente boas. No início da pandemia, as pessoas sonhavam com uma vacina que reduzisse em 50% a taxa de mortes. Hoje, mesmo com o efeito natural de diminuição da proteção, a proteção oferecida ainda está na casa dos 80% a 90%.
“Mesmo os piores casos, seis meses depois (do início da vacinação no Reino Unido), são melhores do que esperávamos quando projetamos as vacinas”, diz Finn. “Elas ainda são muito boas.”
Uma notícia ainda melhor é que há evidências de que a dose de reforço – já aplicada em mais de 11,4 milhões de pessoas no Reino Unido e a 10,2 milhões de pessoas no Brasil – está fazendo uma importante diferença. Dados do Escritório Nacional de Estatísticas do Reino Unido mostram que os níveis de anticorpos cresceram no grupo etário mais velho.
Agora, o próximo passo é monitorar para verificar se essa dose adicional vai fazer baixar o número de casos e mortes.