Após salvar o Brasil da covid, ciência recebe do governo um cuspe na cara.

tragédia é que Bolsonaro está nos condenando a um apagão de conhecimento nas próximas décadas, uma vez que projetos científicos não são ligados e desligados do dia para a noite

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O corte de R$ 600 milhões nos recursos previstos para o Ministério da Ciência e Tecnologia reforça o equívoco de quem afirma que o governo Bolsonaro acabou. Pelo contrário, ele segue a todo vapor no seu principal objetivo: desconstruir o país para reconstruí-lo à sua imagem e semelhança. E na realidade paralela do bolsonarismo, ciência muitas vezes é um problema, não a solução.

Entidades científicas avisam que a tungada – realizada pelo Congresso Nacional a pedido do ministro da Economia, Paulo “Ilhas Virgens” Guedes – reduzirá o financiamento e, por conseguinte, a produção de conhecimento no Brasil. No ano em que a ciência nos salvou do charlatanismo, do curandeirismo e do negacionismo, ela recebe um cuspe na cara como agradecimento.

O Brasil ficou menor durante a pandemia porque o governo e seus aliados deram as costas para médicos e cientistas, promovendo tratamentos e remédios ineficazes, atacando o isolamento social, afirmando que vacinas transformariam pessoas em jacarés ou matariam adolescentes, fazendo experimentos em cobaias humanas.

O epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas, calcula que mais de 400 mil das 600 mil mortes foram desnecessárias.

O bolsonarismo elabora seus planos visando às suas necessidades políticas e econômicas, da reeleição ao lucro fácil. Qualquer entrave colocado no caminho de seus objetivos é atacado violentamente. Nesse contexto, a ciência, que expõe as mentiras de Bolsonaro, tem sido asfixiada – o orçamento do CNPq, que financia a pesquisa nacional, neste ano, é 38% do que era em 2013.

Não à toa, Bolsonaro acusou o Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe) de manipulação de dados de satélites quando o desmatamento na Amazônia disparou. O seu governo atacou a fiscalização ambiental e deu liberdade a madeireiros, garimpeiros, grileiros e agropecuaristas ilegais para agirem. Quando veio a conta, porque a conta sempre chega, ele acusou a ciência de mentir.

A tragédia é que Bolsonaro está nos condenando a um apagão de conhecimento nas próximas décadas, uma vez que projetos científicos não são ligados e desligados do dia para a noite. A redução no orçamento para pesquisa não apenas atrapalha processos em andamento, mas desestimula os novos cientistas a persistirem na carreira.

O governo se justifica afirmando que apenas realocou recursos e que a ciência vai ser beneficiada com recursos para a educação ou a produção de radiofármacos. Mas não é a mesma coisa. Estamos falando de produção científica de base, coisa difícil de construir e fácil de dilapidar.

O neurocientista Miguel Nicolelis, considerado um dos principais nomes da ciência brasileira em todo o mundo, afirmou à coluna tempos atrás, que esses cortes do governo Bolsonaro representam uma renuncia à nossa soberania e amputa as pernas intelectuais de um país, impedindo-o de andar.

“Não consigo lembrar, nos últimos 50 anos, de um país que ceifou sua base científica de forma rápida, dramática e sem justificativa lógica. Porque a economia que está sendo feita é nada comparado com o impacto que isso vai trazer para o futuro do país”, disse Nicolelis.

O mais desconcertante é que para além de cortes por necessidades orçamentária, a porrada de R$ 600 milhões nos recursos a serem destinados ao ministério e ao CNPq faz parte do projeto de desmonte do governo Bolsonaro. O presidente, que vê os fatos como inimigos, precisa reduzir o país a cinzas para reergue-lo sob novas bases.

Nós temos é que desconstruir muita coisa. Desfazer muita coisa. Para depois nós começarmos a fazer. Que eu sirva para que, pelo menos, eu possa ser um ponto de inflexão, já estou muito feliz.”

A declaração dele, dada a lideranças de extrema direita em um jantar nos Estados Unidos em março de 2019, vai ao encontro da desconstrução de um país minimamente iluminado pela razão e por fatos por um baseado em superstições e mentiras, no qual ele próprio possa ser, como diria o Evangelho de João, capítulo 14, versículo 6, o caminho, a verdade e a vida.