Estudo revela 3 razões que explicam como a covid-19 se espalhou pelo Brasil 

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Um artigo científico publicado hoje por pesquisadores brasileiros na revista “Scientific Reports” revela o caminho que a covid-19 percorreu até se espalhar aos 5.570 municípios brasileiros. Eles apontam que, sem medidas de controle implantadas, o novo coronavírus —que já matou meio milhão de pessoas no país— se disseminou livremente nas cinco regiões.

O artigo é assinado pelos cientistas Miguel Nicolelis, Rafael Raimundo, Pedro Peixoto e Cecilia Andreazzi. Eles citam que, durante o estágio inicial da epidemia, os casos de covid-19 começaram a crescer rapidamente nas capitais dos principais aeroportos internacionais.

Após a chegada, eles listam três fatores que influenciaram no início da dinâmica do vírus pelo Brasil.

São Paulo, a metrópole 

O primeiro ponto citado é a importância da cidade de São Paulo no processo. “Dados de mobilidade humana revelaram que, durante as primeiras três semanas da epidemia, só a cidade de São Paulo foi responsável pela disseminação de mais de 85% dos casos originais que se espalharam pelo Brasil”, alegam os pesquisadores.

“Por causa de uma contribuição inicial incrível, e do fato de que [a cidade] nunca caiu para menos de 30% nos três meses seguintes, São Paulo foi a principal cidade superespalhadora da epidemia”, completa o artigo.

Mas a capital paulista não está só nesse processo. “Ao adicionar apenas 16 outras cidades em expansão, contabilizamos 98-99% dos casos notificados durante os primeiros três meses da pandemia no Brasil”, afirmam.

As 16 cidades:

  • Rio de Janeiro
  • Belo Horizonte
  • Vitória
  • Salvador
  • Fortaleza
  • Recife
  • São Luís
  • João Pessoa
  • Manaus
  • Belém
  • Porto Alegre
  • Curitiba
  • Brasília
  • Goiânia
  • Cuiabá
  • Campo Grande

Rodovias levam –e trazem– covid-19

Com a transmissão comunitária da covid-19 estabelecida nas 16 cidades “superespalhadoras” do Brasil, os casos começaram então a chegar ao interior do país. O principal caminho foram as BRs. O artigo cita que 26 rodovias federais foram responsáveis por cerca de 30% da propagação de casos. 

“Esta propagação impulsionada pela rodovia foi o principal mecanismo através do qual os primeiros casos chegaram a todas as cidades brasileiras. Assim, em cerca de 30 dias, o SARS-CoV-2 foi transportado para todas as cinco regiões, através do eixo norte-sul do Brasil, uma distância de 5.313 quilômetros”, explicam.

Com o aumento dos casos no interior do Brasil, entra em cena o chamado “efeito bumerangue”. Esse terceiro fator ocorreu por causa do fluxo de pessoas que buscaram tratamento de centros menores para metrópoles por conta da má distribuição leitos UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) —concentrados nas capitais e grandes cidades dos estados.

“Assim, pacientes graves que moram no interior tiveram que ser transportados para as capitais dos estados para acessar esses leitos, criando um ‘efeito bumerangue’ que contribuiu para distorcer a distribuição de mortes pela covid-19”, avaliam. 

Um dado catalogado pelos pesquisadores aponta que São Paulo, por exemplo, recebeu pacientes de 464 diferentes cidades do Brasil, seguido por Belo Horizonte (351 cidades), Salvador (332 cidades), Goiânia (258 cidades) e Recife (255 cidades). 

“São Paulo era também a cidade que mais enviou moradores para internação em outras cidades (158 cidades), seguida pelo Rio de Janeiro (73 cidades), Guarulhos (41 cidades), Curitiba (40 cidades), Campinas (39 cidades), Belém (38 cidades) e Brasília (35 cidades)”, revela. 

Faltaram medidas 

Segundo os pesquisadores, se o governo brasileiro tivesse tomado ações no começo da epidemia, poderia ter reduzido o número de casos e mortes, evitando também uma superlotação de hospitais. 

“A nossa análise mostrou claramente que, se um lockdown nacional e bloqueios sanitários nas rodovias ao redor das cidades superespalhadoras brasileiras, particularmente na cidade de São Paulo, tivessem sido implementados, o impacto da covid-19 durante a primeira onda da pandemia teria sido significativamente menor”, afirma Miguel Nicolelis, da Duke University Medical Center (EUA). 

Ele ainda traça um paralelo com a formação da segunda onda, no início do ano. “Igualmente, se estas mesmas medidas fossem aplicadas em janeiro de 2021, também teriam diminuído o número de casos e mortes durante a segunda e mais devastadora onda da pandemia”, afirma. 

Nicolelis compara ainda que, de junho de 2020 a junho de 2021, o número de óbitos por covid-19 no Brasil foi de 50 para 500 mil. “É um aumento de dez vezes em 12 meses. Este dado por si só ilustra como o governo federal brasileiro abdicou de forma explícita e crassa de seu dever de proteger o povo brasileiro da maior catástrofe humanitária da sua história”, relata.