Câmara pode votar projeto para acabar com a Lei de Segurança Nacional; entenda

Lei aprovada na ditadura militar protagoniza debates no Congresso e no STF após basear a abertura de inquéritos com repercussão

384

A Câmara dos Deputados pode votar nesta terça-feira (4) um projeto de lei que deve revogar a Lei de Segurança Nacional (LSN) e acrescentar ao Código Penal uma nova Lei em Defesa do Estado Democrático de Direito, como vem sendo chamada por deputados simpáticos à iniciativa.

O novo projeto tem como base uma proposta feita em 2002 pelo então ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) Miguel Reale Jr. e tipifica crimes como atentado à soberania nacional, traição, espionagem, insurreição e golpe de estado. 

Segundo a relatora do projeto, Margarete Coelho (PP-PI), a nova regra em defesa da democracia é necessária para, entre outras coisas, acabar de vez com a LSN e com o que classifica como a “doutrina de segurança nacional”, concebida “em um período de Guerra Fria que via nacionais como inimigos da pátria, que submetia civis à jurisdição militar” e que, por isso, não guardaria nenhum vínculo com a Constituição de 1988

Promulgada em 1983 pelo último presidente do regime militar, João Figueiredo, a Lei de Segurança Nacional não só continua válida como recentemente também passou a embasar processos rumorosos.

Partem da LSN tanto inquéritos abertos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar notícias falsas e ataques às instituições democráticas — o que atingiu parlamentares aliados do presidente Jair Bolsonaro (sem partido)–, como ainda a intimação para que o youtuber Felipe Neto prestasse depoimento à polícia por ter chamado Bolsonaro de “genocida”.

O reflorescimento da LSN no noticiário político (e policial) foi algo “que não se poderia prever”, diz Margarete Coelho, e acabou evidenciando a falta de afinidade entre o texto constitucional vigente e a legislação nascida nos estertores da ditadura. 

“É uma lei que passou muito tempo no fundo de uma gaveta, mas, de repente, veio com força total”. 

De acordo com a deputada, a Lei em Defesa do Estado Democrático de Direito, que se propõe substituta da LSN, difere pouco do projeto original, de 2002. A maior diferença é a supressão do trecho que trata de terrorismo, matéria que já está abarcada na legislação atual, defende a parlamentar. 

Coelho afirma que, com a nova lei, “será proibido proibir” qualquer tipo de manifestação democrática e “não haverá crime de opinião”. “É uma lei que defende a soberania, o território nacional, a autonomia da nossa pátria diante de outras, que defende o processo democrático de escolha dos representantes”, explica.

Para o jurista Lenio Streck, professor de Direito Constitucional da Unisinos, a nova lei “garante a livre manifestação de pessoas para protestarem pacificamente” e estabelece punição para quem tentar impedir esse tipo de protesto. Ele também destaca como ponto positivo a previsão de se criminalizar quem “constituir grupo ou associação para  pregar discriminação e preconceito racial”.

“Importante é a nova lei se fixar naquilo que representa o conceito de Estado Democrático de Direito. Atentar contra ele é algo que deve ser combatido“, pontua o jurista. 

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), já defendeu publicamente a substituição da Lei de Segurança Nacional pelo projeto relatado por Margarete Coelho, e afirmou que a matéria deverá ser votada pela Câmara nesta terça-feira. À CNN, a deputada disse há também a possibilidade de o texto acabar sendo votado na quarta-feira (5), a depender da pauta. 

Para ser aprovada, a nova legislação precisa ser aprovada por maioria simples tanto na Câmara quanto no Senado Federal. Se passar pelas duas casas do Congresso, seguirá para sanção do presidente Jair Bolsonaro. 

Veja alguns dos crimes previstos na nova Lei em Defesa do Estado Democrático de Direito:

  • Atentado à soberania: tentar submeter o território nacional, ou parte dele, ao domínio ou à soberania de outro país, empreendendo ação para ofender a integridade ou a independência nacional.
  • Traição: entrar em entendimento ou negociação com governo ou grupo estrangeiro com o fim de provocar guerra ou atos de hostilidade contra o País, desmembrar parte do seu território, ou invadi-lo.
  • Violação do território: violar o território nacional com o fim de explorar riquezas naturais ou nele exercer atos de soberania de outro país.
  • Atentado à integridade nacional: tentar desmembrar parte do território nacional, por meio de movimento armado, para constituir país independente.
  • Espionagem: obter documento ou informação essencial para o interesse do Estado brasileiro ou classificados como secretos ou ultra-secretos, com o fim de revelá-los a governo ou grupo estrangeiro.
  • Insurreição: tentar, com emprego de grave ameaça ou violência, impedir ou dificultar o exercício do poder legitimamente constituído, ou alterar a ordem constitucional estabelecida.
  • Golpe de estado: funcionário público civil ou militar tentar depor o governo constituído ou impedir o funcionamento das instituições constitucionais.
  • Conspiração: duas ou mais pessoas se associarem para a prática de insurreição ou golpe de Estado.
  • Atentado à autoridade: atentar contra a integridade física do presidente ou o vice-presidente da República ou os presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal, do Procurador-Geral da República; ou contra as autoridades correspondentes dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.
  • Sequestro e cárcere privado contra as autoridades acima citadas.
  • Incitamento público à guerra civil.