Vacinas para Covid: o que se sabe e o que falta saber sobre os avanços na imunização contra o coronavírus

Estudos divulgados nesta segunda mostram que duas vacinas, uma britânica e uma chinesa, conseguiram induzir a imunidade contra o novo coronavírus e se mostraram seguras – além dessas, há mais de 160 em desenvolvimento no mundo.

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O mais recente balanço da Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que 163 vacinas estão em desenvolvimento contra a Covid-19 – destas, 23 estão na fase clínica, que é o teste em humanos. Nesta segunda-feira (20), cientistas divulgaram dados preliminares de duas vacinas, uma britânica e uma chinesa, garantindo que são seguras e induzem a resposta imune contra o coronavírus.

Os resultados são dos ensaios clínicos ainda em fase preliminar (fase 1 e fase 2), mas é somente na de fase 3, com um número maior de participantes, que a eficácia da vacina é comprovada. Um grupo de milhares de voluntários é avaliado antes de se considerar a comercialização em larga escala.

A vacina de Oxford já está na sua terceira fase – e final – de testes em humanos. Além dessa, apenas outra concorrente chinesa já chegou tão longe nas pesquisas e ambas são testadas no Brasil. A China tem ao menos oito vacinas em desenvolvimento. A vacina da CanSino, anunciada nesta segunda, não é a testada no Brasil pelo Instituto Butantan (leia mais no final da reportagem).

Veja abaixo as dúvidas mais comuns sobre o atual estágio de cada uma das pesquisas e o que ainda falta saber:

1. O que ainda falta saber

– Quando a vacina contra Covid-19 estará pronta?

Especialistas dizem que as vacinas demoram, em média, dez anos para ficarem disponíveis ao público após o início dos estudos. A mais rápida já criada, a da caxumba, levou pelo menos quatro anos para ficar pronta. Muitos especialistas acreditam que a vacina contra a Covid-19 não estará disponível em 2020. Embora as pesquisas avancem em todo o mundo, o prazo de 12 a 18 meses para liberação seria considerado um recorde.

– Quais são as etapas para a produção de vacinas?

Para se produzir uma vacina, leva tempo. A mais rápida desenvolvida até o momento foi a vacina contra a caxumba, que durou cerca de quatro anos até ser licenciada e distribuída entre a população. Antes de começar os testes em voluntários, a imunização passa por diversas fases de experimentação pré-clinica (em laboratório e com cobaias). Ao ser avaliada sua segurança e eficácia, é que começam os testes em humanos, a chamada fase clínica – que são três:

  • Fase 1: é uma avaliação preliminar da segurança do imunizante, ela é feita com um número reduzido de voluntários adultos que são monitorados de perto. Ela é aplicada em dezenas de participantes do experimento.
  • Fase 2: na segunda fase, o estudo clínico é ampliado e conta com centenas de voluntários. A vacina é administrada a pessoas com características (como idade e saúde física) semelhantes àquelas para as quais a nova vacina é destinada.
  • Fase 3: ensaio em larga escala (com milhares de indivíduos) que precisa fornecer uma avaliação definitiva da sua eficácia e segurança em maiores populações. Além disso, feita para prever eventos adversos e garantir a durabilidade da proteção. Apenas depois desta fase é que se pode fazer um registro sanitário.

2. A promissora vacina de Oxford

Os cientistas da Universidade de Oxford, no Reino Unido, disseram que a vacina, desenvolvida em parceria com o laboratório AstraZeneca, foi capaz de induzir a resposta imune tanto por anticorpos como por células T (células do sistema imune capazes de identificar e destruir outras células infectadas) até 56 dias depois da administração da dose.

A resposta imune foi medida em laboratório durante as duas primeiras fases de teste. A fase 3 do estudo, que já está em andamento, prevê que ela seja aplicada em milhares de pessoas e, só então, ficará claro se, efetivamente, protege a população.

A vacina que é considerada a mais avançada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) está sendo testada em 50 mil pessoas em todo mundo, inclusive no Brasil.

– Como ela funciona?

A vacina utiliza uma tecnologia conhecida como vetor viral recombinante. Ela é produzida a partir de uma versão enfraquecida de um adenovírus (que causa resfriado em chimpanzés) — e que não causa doença em humanos. A esse imunizante foi adicionado o material genético usado na produção da proteína “spike” do Sars-Cov-2 (a que ele usa para invadir células), induzindo os anticorpos.

“Isso faz com que as células dessas pessoas [vacinadas] produzam a proteína S, e ajuda a ensinar o sistema imunológico a reconhecer o vírus Sars-Cov-2″, explicou Andrew Pollard professor de pediatria na Universidade de Oxford.

– Ela é segura? Quais foram as reações adversas ?

A vacina foi considerada segura. As principais reações são algum inchaço ao redor da injeção, febre, dores musculares, que são esperadas para vacinas virais. Nos testes preliminares, não houve efeito adverso sério.

De acordo com Soraia Smaili, reitora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), se tudo der certo, a vacina de Oxford poderá ter o registro liberado em junho de 2021.

Imagem criada pela Nexu Science Communication em conjunto com o Trinity College, em Dublin, mostra um modelo estruturalmente representativo de um betacoronavírus, que é o tipo de vírus vinculado ao COVID-19, mais conhecido como coronavírus vinculado ao surto atual. — Foto: NEXU Science Communication/via Reuters

Imagem criada pela Nexu Science Communication em conjunto com o Trinity College, em Dublin, mostra um modelo estruturalmente representativo de um betacoronavírus, que é o tipo de vírus vinculado ao COVID-19, mais conhecido como coronavírus vinculado ao surto atual. — Foto: NEXU Science Communication/via Reuters

3. CanSino Biologics (China)

Estudos preliminares divulgados nesta segunda mostram que a vacina chinesa da empresa chinesa CanSino Biologics é segura e induz resposta imune. Os testes iniciais foram feitos na cidade de Wuhan, na província de Hubei, onde foram registrados os primeiros casos de Covid-19 em dezembro de 2019.

Pesquisadores explicaram que a vacina usou um vírus enfraquecido do resfriado humano (adenovírus). Ele entrou no organismo dos voluntários para entregar o material genético que codifica a proteína do Sars-Cov-2 e, assim, estimular a criação de anticorpos. Esses anticorpos combatem o coronavírus.

Os voluntários ainda não foram expostos ao Sars-Cov-2, o novo coronavírus, para checar se a imunidade desenvolvida após a vacinação é suficiente para evitar o desenvolvimento da doença.

A vacina da CanSino Biologics, que atua em colaboração com o Instituto de Biotecnologia e a Academia de Ciências Médicas Militares da China, entrou na fase 3, segundo comunicado divulgado nesta segunda.

Técnica de laboratório exibe uma dose de uma candidata a vacina contra a Covid-19 pronta para ser testada em macacos no Centro Nacional de Pesquisa de Primatas da Tailândia, na Universidade Chulalongkorn — Foto: Mladen Antonov/AFP

Técnica de laboratório exibe uma dose de uma candidata a vacina contra a Covid-19 pronta para ser testada em macacos no Centro Nacional de Pesquisa de Primatas da Tailândia, na Universidade Chulalongkorn — Foto: Mladen Antonov/AFP

4. Testes no Brasil

A vacina de Oxford é uma das testadas em voluntários brasileiros. Outra vacina apontada como promissora é a desenvolvida pela Sinovac Biotech, que está na fase 3 de testes. O ensaio, liderado no Brasil pelo Instituto Butantan, começará aplicando doses da PiCoVacc (ou CoronaVac) a partir desta terça-feira (21) em 890 voluntários de São Paulo, no Hospital das Clínicas (HC).

Ela utiliza o vírus Sars-Cov-2 inativado (vírus morto ou por partes dele), que é o o mesmo princípio das vacinas contra a hepatite e a influenza (gripe). Nesses casos, existe um risco menor, porque o vírus não consegue se duplicar no corpo.

Ela implanta uma espécie de memória celular responsável por ativar a imunidade de quem é vacinado. Quando entra em contato com o coronavírus ativo, o corpo já está preparado para induzir uma resposta imune.

De acordo com o governador João Doria (PSDB), se os testes foram bem sucedidos, a fabricação da vacina no Brasil começará no início de 2021.