É #FAKE que OMS incentive masturbação infantil em diretriz sobre educação sexual

Informação foi compartilhada nas redes sociais até pelo presidente Jair Bolsonaro, que depois apagou a publicação. Mensagens falsas com o conteúdo continuam a circular. Objetivo é desacreditar entidade em meio à pandemia do novo coronavírus.

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Circula nas redes sociais a informação de que a Organização Mundial de Saúde (OMS), em uma publicação sobre educação sexual de crianças e adolescentes, incentiva a masturbação na primeira infância. É #FAKE.

Em 2010, o braço europeu da OMS, em conjunto com o Centro Federal de Educação em Saúde da Alemanha, publicou o documento “Normas para educação sexual na Europa – Uma abordagem para formuladores de políticas, autoridades da educação e da saúde e especialistas”, com fundamentos a serem seguidos pelos países. Não há, porém, nenhum incentivo à prática da masturbação infantil. Além disso, o conteúdo não é dirigido às crianças.

Trata-se de um guia para ajudar autoridades de saúde e educadores a enfrentar o desafio apresentado pelo aumento, na Europa, das taxas de infecção pelo HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis, e também coibir a gravidez precoce indesejada e a violência sexual contra menores.

Ao se referir a crianças, o texto contém informações para nortear a introdução da educação sexual – o que nada tem a ver com iniciação da vida sexual, como insinuam as postagens na web, inclusive uma feita no dia 30 de abril pelo presidente Jair Bolsonaro, posteriormente apagada.

Na primeira parte do documento, os temas abordados são divididos por todas as faixas etárias, desde 0 a 4 anos até a fase da adolescência (o último segmento é dos 15 anos em diante). Entre os temas estão “o corpo humano e o desenvolvimento humano”, “fertilidade e reprodução” e “emoções”, e a cada faixa de idade há orientações sobre o tipo de condução que deve ser feita pelos adultos. Por exemplo, há informações a serem dadas à criança ou ao adolescente e que tipo de atitude deles deve ser estimulada.

As mensagens falsas que circulam nas redes tiram de contexto informações que, de fato, constam do guia, para desqualificar a OMS e insinuar que a organização, ligada às Nações Unidas, induz crianças a se masturbar e a praticar sexo.

No dia 29 de abril, um dia antes de Bolsonaro postar o conteúdo, o advogado Arthur Weintraub, assessor especial da Presidência e irmão do ministro da Educação, Abraham Weintraub, fez afirmação semelhante nas redes sociais.

A postagem de Bolsonaro dizia: “Essa é a Organização Mundial da Saúde, que muitos dizem que devo seguir no caso do coronavírus. Deveríamos então seguir suas diretrizes para políticas educacionais?”

Da seção “sexualidade” referente às idades de 0 a 4 anos, ele pinçou os itens “satisfação e prazer ao tocar o próprio corpo, masturbação”, “expressar suas necessidades e desejos, por exemplo, no contexto de ‘brincar de médico’”, “as crianças têm sentimentos sexuais mesmo na primeira infância”. Da parte que se refere à faixa dos 4 aos 6 anos, foram tiradas as frases “uma identidade de gênero positiva” e “gozo e prazer ao tocar o próprio corpo; masturbação na primeira infância”.

As informações estão no documento, mas em nenhum momento é dito que a masturbação infantil deve ser estimulada pelo adulto. O que o texto faz é orientar como o assunto deve ser tratado com as crianças. O documento também orienta os adultos a instrumentalizar as crianças a falar sobre sensações físicas não prazerosas que possam vir a sentir.

Outro estímulo, segundo o documento, deve ser a verbalização das necessidades, limites e medos das crianças, que precisam ser ajudadas a desenvolver uma autoimagem positiva, a respeitar as diferenças entre as pessoas, a construir sua identidade de gênero, a compreender que tipo de comportamento é aceitável em público e no ambiente privado (no que diz respeito à sexualidade), entre outras diretrizes que fazem parte dos pilares da educação sexual mundo afora.

O objetivo é preparar crianças e adolescentes a lidar com o próprio corpo de forma natural, sem tabus. A premissa é a de que, com informações corretas sendo propagadas desde cedo, é mais fácil proteger menores de abusos sexuais, gestações indesejadas e doenças sexualmente transmissíveis.

Orientações a serem dadas a adolescentes não entraram na postagem do presidente Jair Bolsonaro, mas foram compartilhadas por outros perfis, que citam que os jovens têm de ser informados sobre o direito ao aborto. A informação, de fato, consta do documento – o que faz sentido, uma vez que o aborto é legal em diversos países europeus, como a Alemanha, a França e a Espanha.

O presidente teve como bandeira em sua campanha à Presidência o combate à educação sexual nas escolas – que é defendida por especialistas em educação e em sexualidade – e à chamada “ideologia de gênero”, expressão que não existe no estudo da sexualidade humana e que é usada por grupos conservadores para se referir à identificação de uma pessoa como homem ou mulher para além do viés biológico.

Bolsonaro vem criticando a OMS reiteradamente em meio à pandemia do coronavírus. Ele já desqualificou o diretor-geral da organização, afirmando que ele não é médico. Tedros Adhanom Ghebreyesus é biólogo, mas um especialista renomado em saúde, considerado qualificado para o cargo. Bolsonaro também distorceu uma fala do diretor, em que ele relacionava o isolamento social a perdas econômicas, para criticar o distanciamento.